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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A poética de Pedro Kilkerry - Literatura de ontem 5

Eliane F.C.Lima

Pedro Kilkerry nasceu na Bahia e viveu de 1885 a 1917. Era filho de uma brasileira e um inglês ou irlandês. Apesar de ter conseguido se formar em Direito e falar diversas línguas, viveu pobre. Escreveu em prosa, fez traduções e publicou crônicas em jornais do estado. Mas o que ficou de maior foram seus poemas.
Esses nunca foram publicados, tendo-os escrito em papéis dispersos, o que dificultou sua publicação póstuma. Foi aos poucos sendo descoberto, mas veio à luz realmente com o livro de Augusto de Campos, um dos papas da Poesia Concreta, no livro ReVisão de Kilkerry. Apesar de ser considerado um poeta simbolista, não há nada nos outros poetas simbolistas, que se compare à sua poesia. Constrói seus textos numa linguagem que surpreende a cada passo, por quebrar a sintaxe, a ordem lógica do pensamento, mesmo em poesia, que já, tradicionalmente, tem esse direito.Muitos analistas o apontam como inaugurador da modernidade poética. Infelizmente, como eu comentei sobre o cânone, em meu perfil, as antologias que chegam aos estudantes, raramente oferecem ao jovem seus belos textos.Quem desejar encontrar maiores esclarecimentos sobre o poeta, vale a pena clicar aqui e aqui.
É o Silêncio...

Pedro Kilkerry

É o silêncio, é o cigarro e a vela acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume sobre a mesa...
Mas o sangue da luz em cada folha.

Não sei se é mesmo a minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir das cousas... Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu passo,
Asa que o ouvido anima...
E a câmara muda. E a sala muda, muda...
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima...
(...)

E abro a janela. Ainda a lua esfia
Últimas notas trêmulas... O dia
Tarde florescerá pela montanha.

E oh! minha amada, o sentimento é cego...
Vês? Colaboram na saudade a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.

O muro

Pedro Kilkerry

Movendo os pés doirados, lentamente,
Horas brancas lá vão, de amor e rosas
As impalpáveis formas, no ar, cheirosas...
Sombras, sombras que são da alma doente!

E eu, magro, espio... e um muro, magro, em frente
Abrindo à tarde as órbitas musgosas
— Vazias? Menos do que misteriosas —
Pestaneja, estremece... O muro sente!

E que cheiro que sai dos nervos dele,
Embora o caio roído, cor de brasa,
E lhe doa talvez aquela pele!

Mas um prazer ao sofrimento casa...
Pois o ramo em que o vento à dor lhe impele
É onde a volúpia está de uma asa e outra asa...


O poema de Kilkerry, a seguir transcrito, foi musicado por Cid Campos e gravado por Adriana Calcanhotto em seu álbum, muito apropriadamente denominado “A fábrica do poema”, o que contribuiu para divulgar a obra pouco conhecida do poeta. Na música, pode-se ouvir a voz de Augusto de Campos fazendo a leitura da segunda estrofe do poema. Quando ponho meu CD para tocar, costumo repetir a faixa muitas vezes.
O verme e a estrela

Pedro Kilkerry

Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz,
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!
E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! Enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?
Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! Ceguei da tua luz?



Um comentário:

Darc disse...

Olá, professora Eliane! Seu trabalho aqui é maravilhoso! Acabo de entrar em um projeto de pesquisa chamado: Poesia e transdisciplinariedade:a vocoperformance. E escolhi trabalhar com o poeta Pedro Kilkerry. Suas informações aqui me ajudaram muito e espero que não tenha parado, nesse momento escuto incessantemente a música O verme e a estrela, que hino para nossas vidas... Nesses momentos sombrios te desejo muita poesia e que a literatura te aqueça. "... Nunca estrela eu te supus"
Abçs,
Daiana