“Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher”: confesso que esse verso de “Tigresa”, de Caetano Veloso”, sempre me deixou embatucada, mesmo com a tentativa final de apaziguamento. Por que, na relação com os homens, “ser feliz” não está no mesmo momento de “ser mulher”? Ou melhor, por que esse ser enunciador, pretensamente feminino, é preciso salientar, considerou os momentos de infelicidade com os homens um “ser mulher”?
A primeira observação a ser feita é de que, seja lá em que grau se encare isso, o discurso de mulher do verso acima é apenas uma construção poética. Está lá a “Ai, que saudades da Amélia” – "por achar bonito não ter o que comer", morreu de fome, coitada! –, de Ataulpho Alves e Mário Lago, que não me deixa mentir. Já ali se imaginava que os dois aspectos acima estavam mesmo em campos opostos. E é onde fica clara a posição masculina sobre o fato: “Aquilo, sim, é que era mulher.”
Desejo marcar, então, alguns conceitos importantes e usar para isso uma frase que eu ouvia há algum tempo e, felizmente, não ouço mais: ”Eu não sou feminista, sou feminina”. Isso, dito por uma mulher, claro, é triste.
Vamos lá: feminismo é um movimento de caráter político, que tem como intenção a subversão do estado de opressão e desigualdade em que ainda se encontra a mulher. Mas já é também uma teoria filosófica, a qual reflete sobre gênero, sexo e todos os aspectos históricos, culturais e sociais, antropológicos, enfim, e é empreendida por estudiosas de alta competência e gabarito e que tem sido encampada por especialistas das outras ciências humanas, mulheres e homens.
Se uma de nós nega essa luta e essas reflexões filosóficas, imbuídas de seriedade e relevância, isso é preocupante. Já foi o tempo em que o feminismo era encarado com deboche. Hoje, essa atitude tola é, no mínimo, sinal de falta de conhecimento.
Mas devo refletir, ainda, sobre o “sou feminina.” Ora, como se sabe muito bem atualmente, tudo que se atribui ao “feminino” e ao “masculino” é apenas uma construção de gênero, contínua e atroz, que se aplica a um ser de um determinado sexo, desde que nasce. A gente escutou, desde a mais tenra idade, que meninas são assim e meninos, assado. Ora, se meninas e meninos são de um modo e não de outro, se isso fizesse parte de sua natureza, de sua essência, a insistência seria desnecessária. Era só deixar a vida ir se encarregando de fazer com que esses atributos aflorassem: ninguém precisa “revelar” às plantas como elas são.
Então, se uma mulher diz que é “feminina” – tem de se mostrar bonita, se vestir de uma determinada forma, manter-se jovem o máximo de tempo possível etc.–, ela está aceitando, sem refletir ou discutir, a submissão aos ditames da sociedade patriarcal (devo salientar que aí estão agregados, no ocidente, principalmente, outros aspectos como a preponderância dos brancos e o capitalismo), pois as regras estabelecidas para o que é feminino são fixamente estabelecidas – e controladas! – pelo ponto de vista dessa sociedade. Atualmente “ser feminina” é usar botox, alterar os seios, fazer lipoaspiração, usar saltos altíssimos e incômodos, consumir muito dinheiro no shopping, tentar ser modelo ou casar com um jogador de futebol ou pagodeiro. E aí voltamos para o “Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher.” e à saudade da Amélia.
Desejo sublinhar, para usar na próxima postagem, essa conclusão: as mulheres estão submetidas a um discurso masculino, que vai desde as idéias mais corriqueiras – propagandas de produtos para limpeza só utilizam a presença de mulheres e a de cerveja, homens bebendo e mulheres com pouca roupa – até à própria linguagem – se alguém quiser procurar a palavra “feminina”, no dicionário, só vai encontrá-la no masculino, bem como qualquer outro adjetivo.
Para comprovar o que digo, desejo analisar a máxima: “Ninguém entende as mulheres.” O dicionário define “ninguém” como “nenhuma pessoa”. Como as mulheres entendem muito bem a si mesmas – às que disserem o contrário aconselho procurar uma boa psicanalista –, já se vê que “mulheres” não são “pessoas”, claro (Não foi à toa que a Igreja Católica levou tanto tempo discutindo se as mulheres tinham alma)! Então, a frase citada acima, que deveria ser apenas “Os homens não entendem as mulheres”, comprova que há ali um discurso masculino e que o homem é o ser universal, “pessoa”, em seu sentido filosófico e jurídico, até – vá ao dicionário, por favor, e consulte as três primeiras definições de “homem” – e o padrão estabelecido são suas opiniões e conceitos. Para uma mulher, mesmo lúcida e, portanto, feminista, parece quase impossível escapar dessa armadilha.
Peço que os comentários acima sejam lembrados e utilizados na leitura de minha próxima postagem do dia 08-03. Mas vou fazer uma brincadeira: aproveitando-me dos conceitos de gênero, que ouvi dessa sociedade, desde criança, uso-os em um poema.
A primeira observação a ser feita é de que, seja lá em que grau se encare isso, o discurso de mulher do verso acima é apenas uma construção poética. Está lá a “Ai, que saudades da Amélia” – "por achar bonito não ter o que comer", morreu de fome, coitada! –, de Ataulpho Alves e Mário Lago, que não me deixa mentir. Já ali se imaginava que os dois aspectos acima estavam mesmo em campos opostos. E é onde fica clara a posição masculina sobre o fato: “Aquilo, sim, é que era mulher.”
Desejo marcar, então, alguns conceitos importantes e usar para isso uma frase que eu ouvia há algum tempo e, felizmente, não ouço mais: ”Eu não sou feminista, sou feminina”. Isso, dito por uma mulher, claro, é triste.
Vamos lá: feminismo é um movimento de caráter político, que tem como intenção a subversão do estado de opressão e desigualdade em que ainda se encontra a mulher. Mas já é também uma teoria filosófica, a qual reflete sobre gênero, sexo e todos os aspectos históricos, culturais e sociais, antropológicos, enfim, e é empreendida por estudiosas de alta competência e gabarito e que tem sido encampada por especialistas das outras ciências humanas, mulheres e homens.
Se uma de nós nega essa luta e essas reflexões filosóficas, imbuídas de seriedade e relevância, isso é preocupante. Já foi o tempo em que o feminismo era encarado com deboche. Hoje, essa atitude tola é, no mínimo, sinal de falta de conhecimento.
Mas devo refletir, ainda, sobre o “sou feminina.” Ora, como se sabe muito bem atualmente, tudo que se atribui ao “feminino” e ao “masculino” é apenas uma construção de gênero, contínua e atroz, que se aplica a um ser de um determinado sexo, desde que nasce. A gente escutou, desde a mais tenra idade, que meninas são assim e meninos, assado. Ora, se meninas e meninos são de um modo e não de outro, se isso fizesse parte de sua natureza, de sua essência, a insistência seria desnecessária. Era só deixar a vida ir se encarregando de fazer com que esses atributos aflorassem: ninguém precisa “revelar” às plantas como elas são.
Então, se uma mulher diz que é “feminina” – tem de se mostrar bonita, se vestir de uma determinada forma, manter-se jovem o máximo de tempo possível etc.–, ela está aceitando, sem refletir ou discutir, a submissão aos ditames da sociedade patriarcal (devo salientar que aí estão agregados, no ocidente, principalmente, outros aspectos como a preponderância dos brancos e o capitalismo), pois as regras estabelecidas para o que é feminino são fixamente estabelecidas – e controladas! – pelo ponto de vista dessa sociedade. Atualmente “ser feminina” é usar botox, alterar os seios, fazer lipoaspiração, usar saltos altíssimos e incômodos, consumir muito dinheiro no shopping, tentar ser modelo ou casar com um jogador de futebol ou pagodeiro. E aí voltamos para o “Com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher.” e à saudade da Amélia.
Desejo sublinhar, para usar na próxima postagem, essa conclusão: as mulheres estão submetidas a um discurso masculino, que vai desde as idéias mais corriqueiras – propagandas de produtos para limpeza só utilizam a presença de mulheres e a de cerveja, homens bebendo e mulheres com pouca roupa – até à própria linguagem – se alguém quiser procurar a palavra “feminina”, no dicionário, só vai encontrá-la no masculino, bem como qualquer outro adjetivo.
Para comprovar o que digo, desejo analisar a máxima: “Ninguém entende as mulheres.” O dicionário define “ninguém” como “nenhuma pessoa”. Como as mulheres entendem muito bem a si mesmas – às que disserem o contrário aconselho procurar uma boa psicanalista –, já se vê que “mulheres” não são “pessoas”, claro (Não foi à toa que a Igreja Católica levou tanto tempo discutindo se as mulheres tinham alma)! Então, a frase citada acima, que deveria ser apenas “Os homens não entendem as mulheres”, comprova que há ali um discurso masculino e que o homem é o ser universal, “pessoa”, em seu sentido filosófico e jurídico, até – vá ao dicionário, por favor, e consulte as três primeiras definições de “homem” – e o padrão estabelecido são suas opiniões e conceitos. Para uma mulher, mesmo lúcida e, portanto, feminista, parece quase impossível escapar dessa armadilha.
Peço que os comentários acima sejam lembrados e utilizados na leitura de minha próxima postagem do dia 08-03. Mas vou fazer uma brincadeira: aproveitando-me dos conceitos de gênero, que ouvi dessa sociedade, desde criança, uso-os em um poema.
Que oito de março, que nada!
Eliane F.C.Lima (registrado no EDA – RJ)
Para ser homem de verdade,
sem abrir mão da vaidade,
há que ter fé e firmeza.
Para ser homem, nesta vida,
ignorar a ferida,
esquecer sempre a tristeza.
Para ser homem, homem mesmo,
seguir reto, nunca a esmo,
sentir-se fraco, jamais!
Para ser homem de fato,
ser agressivo ou ter tato,
mas construir sempre a paz.
Para ser homem verdadeiro,
ter um caminho primeiro
e ir mesmo aonde não der.
Esse homem, guia, facho,
peço desculpas, caro macho,
esse homem... é uma mulher!
(23/02/97)