Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)
A poeta Astrid Cabral Félix de Sousa já teve alguns de seus poemas analisados neste blogue (aqui e aqui). No dia de hoje, a postagem focaliza a escritora, apenas, com pequena biobibliografia.
Astrid Cabral nasceu em Manaus, Amazonas, em 25-09-1936. Na adolescência, veio para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na UFRJ, embora tenha lecionado, nessa área, na Universidade de Brasília. Por concurso no Itamaraty foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores em cidades brasileiras, além de Beirute e Chicago.
Obras
Poemas
Ponto de cruz (1979); Torna-viagem (1981); Lição de Alice (1986); Visgo da terra (1986); Rês desgarrada (1994); De déu em déu (1998); Intramuros (1998); Rasos d’água (2003).
A poeta Astrid Cabral Félix de Sousa já teve alguns de seus poemas analisados neste blogue (aqui e aqui). No dia de hoje, a postagem focaliza a escritora, apenas, com pequena biobibliografia.
Astrid Cabral nasceu em Manaus, Amazonas, em 25-09-1936. Na adolescência, veio para o Rio de Janeiro, diplomando-se em Letras Neolatinas na UFRJ, embora tenha lecionado, nessa área, na Universidade de Brasília. Por concurso no Itamaraty foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores em cidades brasileiras, além de Beirute e Chicago.
Obras
Poemas
Ponto de cruz (1979); Torna-viagem (1981); Lição de Alice (1986); Visgo da terra (1986); Rês desgarrada (1994); De déu em déu (1998); Intramuros (1998); Rasos d’água (2003).
Ficção
Alameda (contos - 1963)
Nos textos da escritora aqui transcritos, dentre diversos outros aspectos destacáveis em sua obra como um todo, podemos perceber um sentimento de melancolia e assombro diante do percurso humano pela vida, que se derrama em dois temas que acompanham o caminho da literatura, de uma forma geral: a reflexão sobre a condição humana e a condição subjetiva de um eu lírico que se autoanalisa. Na beleza da construção poética dos textos a seguir podemos distinguir esse primeiro enfoque.
Herança
Astrid Cabral
Bênçãos e maldições vêm de, bem longe
embaladas em ovos, sangue e esperma
em arquivos que jazem sob a terra
lacrados chaves já perdidas no ontem.
Os vivos farejamos crus mistérios
e giramos perguntas parafusos
que mal roçam a cútis dos arcanos:
o olhar terá nascido no jurássico?
o tom de tez e voz será adâmico?
de quem decorre esta imprevista
herança
de sermos o que, bem ou mal nós
somos?
Família, amor, jogo de sexo e espelhos
por onde assim perplexos nos lançamos
ou, dizendo melhor, lançados fomos.
A silepse de pessoa (desvio de concordância que consiste em relacionar um elemento da frase ao que está implícito e não ao que está explícito), em “Os vivos farejamos crus mistérios”, consegue esse efeito de reunir toda uma espécie de seres – os vivos – a um indivíduo determinado – um eu entre nós –, fazendo-os todos “perplexos” diante da inexorabilidade de uma herança, de um destino – “será adâmico?” – incontrolável: “lançados fomos”.
Metamorfose
Astrid Cabral
Ainda nos chamam
pelos mesmos nomes.
Acaso seremos os mesmos
ou é a cegueira alheia?
Éramos formosos
afortunados donos
de sesmarias de sonhos.
Tínhamos frescor de frondes
ímpetos de fontes e fogos
destemor de duelos, dúvidas
que não machucavam quase.
Éramos potros selvagens
farejando precipícios
pelas pastagens do mundo.
No curral ainda nos sobra
a noção do tesouro perdido
e essa ração de memória
é a esmola que nos cabe.
Em “Metamorfose”, pode-se identificar, ainda, a mesma emoção diante do condicionamento inelutável da vida humana, que condena os sonhos, que apaga as esperanças. Se no poema anterior o sentimento era de perplexidade, no segundo, tudo se transforma em um “tesouro perdido”.
Resíduos
Astrid Cabral
Varre-se a alma
mas entre as gretas
sempre resta
estática poeira.
Jamais devolverás, memória,
a juventude em carne e osso.
O que nos sobra além de fotos
é carne mumificada sem sangue
sem esperança e sem alvoroço.
Dias de sol
e fomos espigas.
Hoje não somos
mais que sabugos.
Onde os grãos?
O poema “Resíduos” retoma o texto anterior, resume-lhe a primeira estrofe nos versos “Dias de sol/ e fomos espigas.”, mas parece negar a última esperança alimentada na última estrofe daquele: “Jamais devolverás, memória,/a juventude em carne e osso.”
No poema “Calamidade”, transcrito abaixo, embora haja uma aparente concretude e cotidianidade no título e no tema – “contidos em urbanas paisagens/eles encharcavam/ não só os chinelos de lama” –, volta a sensação de assombro em “a alma também de espanto”, diante das perenes e cíclicas circunstâncias humanas, mesmo esquecidas por todos. “Antepassados/das chuvas dilúvio” torna a retratar o mesmo ser humano do princípio, jurássico, adâmico.
No poema “Calamidade”, transcrito abaixo, embora haja uma aparente concretude e cotidianidade no título e no tema – “contidos em urbanas paisagens/eles encharcavam/ não só os chinelos de lama” –, volta a sensação de assombro em “a alma também de espanto”, diante das perenes e cíclicas circunstâncias humanas, mesmo esquecidas por todos. “Antepassados/das chuvas dilúvio” torna a retratar o mesmo ser humano do princípio, jurássico, adâmico.
Calamidade
Astrid Cabral
Águas na sala! Peixes nos quartos!
Quem entenderia?
Degredados das paisagens
contidos em urbanas grades
eles encharcavam
não só os chinelos de lama
a alma também de espanto.
Todos esquecidos
dos troncos derrubados
dos leitos rasos – antepassados
das chuvas dilúvio.
Os três últimos poemas apresentam um olhar subjetivo de um eu lírico, sua individualidade. Mas o sentimento que prevalece nesses poemas ainda é de inadequação diante da vida, ecoando, assim, a mesma inadequação ôntica retratada nos textos anteriores. O coração couraçado e “os cachorros/que uivam em horas de raiva” são a mesma defesa diante dessa realidade.
Coração couraçado
Astrid Cabral
Tempestades em oceanos
ou em copos d'água
e não peço a Deus balsas
barcaças nem praias.
Só um coração couraçado.
Desses que no lombo
das ondas vão sem tombos
o convés em festa
Iluminado.
Cave canem
Astrid Cabral
Dentro de mim há cachorros
que uivam em horas de raiva
contra as jaulas da cortesia
e as coleiras do bom senso.
Solto-os em nome da justiça
tomada de coragem homicida.
Mas sabendo que raiva mata
à míngua de tomar meus cães
vacinei-os. Ladrem mas não mordam
e caso mordam, não matem.
O último poema singulariza, finalmente, a possibilidade de metamorfose do ser humano. Nele, esse ser repete seu destino e encerra sua perplexidade.
Transitória
Astrid Cabral
Enquanto
folhas folham
árvores arvoram
e o dia irradia
sigo árvores arvoram
e o dia irradia
figo
no ramo da tarde.
Até que a noite anoiteça
o fruto apodreça
e na terra em fome
tombe
sem alarde.
Um comentário:
Cave canem
Astrid Cabral
Dentro de mim há cachorros
que uivam em horas de raiva
contra as jaulas da cortesia
e as coleiras do bom senso.
Solto-os em nome da justiça
tomada de coragem homicida.
Mas sabendo que raiva mata
à míngua de tomar meus cães
vacinei-os. Ladrem mas não mordam
e caso mordam, não matem.
Eliane, amei conhecer a poesia da Astrid. Obrigada por compartlhar. Bjs e inté!
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