Poética (II)
Renata Pallottini
Descer até o fundo
e quando o sentimento
esteja o mais maduro
provocá-lo e feri-lo
para que a voz aflore
mas sem meias-medidas
sem cautela e sem pena:
assim o Poema.
O metalinguístico texto acima, confissão poética, é de Renata Pallottini (São Paulo, capital – 1931), formada em Direito, Filosofia e Dramaturgia, área em que deu aulas e exerceu intensa atividade, quer em teatro, quer em televisão, e, através da qual ficou realmente conhecida: para o primeiro escreveu, junto com Chico Buarque de Hollanda, o espetáculo “Pedro Pedreiro”, por exemplo, e para a segunda “Malu Mulher”, “Joana” e “Vila Sésamo”. Mas também publicou muitos livros de poesia:
Acalanto (1952); O cais da serenidade (1953); O monólogo vivo (1956); A casa (1958); Nós, Portugal (1958); Livro de sonetos (1961); A faca e a pedra (1965); Antologia poética (1968); Os arcos da memória (1971); Coração americano (1976); Chão de palavras (antologia –1977); Noite afora (1978); Cantar meu povo (1980); Cerejas, meu amor (1982); Ao inventor das aves (1985); Esse vinho vadio (1985); A menina que queria ser anja (1987); Praça maior (1988); Obra poética (1995); Chocolate amargo (2008).
Acalanto (1952); O cais da serenidade (1953); O monólogo vivo (1956); A casa (1958); Nós, Portugal (1958); Livro de sonetos (1961); A faca e a pedra (1965); Antologia poética (1968); Os arcos da memória (1971); Coração americano (1976); Chão de palavras (antologia –1977); Noite afora (1978); Cantar meu povo (1980); Cerejas, meu amor (1982); Ao inventor das aves (1985); Esse vinho vadio (1985); A menina que queria ser anja (1987); Praça maior (1988); Obra poética (1995); Chocolate amargo (2008).
Nosso enfoque, aqui, obviamente, será sobre sua marcante poesia, na qual prova sua versatilidade artística e seu talento inconfundível. A reflexão sobre a dor humana e o imponderável de sua condição se derrama a cada verso de seus poemas.
Finisterrae
Renata Pallottini
Aqui começa o fim
Feito de vento.
Enlouqueceu a bússola
Do tempo.
Naufragam as certezas
Do infinito.
Aqui se acaba o mapa
Nasce o mito.
Aqui começa a morte
Em naves findas .
Aqui começa o medo.
Como um grito.
Como muitas outras escritoras, o que já foi tema de análise neste blogue a respeito de Cecília Meireles (vale a pena conferir aqui), a poeta se vê diante do dilema do tempo. E surge, exatamente como em Cecília, o íntimo compromisso do termo “vento” com tal abstrata e dúbia dimensão.
Como naquela poeta, ainda, se percebe o embricamento de tempo/espaço, introduzido pelos vocábulos “bússola” e “mapa”, objetos de orientação espacial, aqui acrescidos do outro significado.
Como naquela poeta, ainda, se percebe o embricamento de tempo/espaço, introduzido pelos vocábulos “bússola” e “mapa”, objetos de orientação espacial, aqui acrescidos do outro significado.
Como foi argumentado para o estudo sobre Cecília, pressente-se uma diferenciação entre “tempo” e “eternidade” (infinito) – “Naufragam as certezas/ Do infinito.” – e, se está o primeiro aderido à ideia de matéria e, portanto, à sua finitude – “Aqui começa a morte/ Em naves findas.” – é o “mito” que garante o encontro com a segunda.
O texto abaixo caminha por passos semelhantes.
O texto abaixo caminha por passos semelhantes.
Lamentação dos filhos
Renata Pallottini
Do infinito nascemos
para um termo preciso.
De infindas, as penas,
de vago, o aviso.
Nados mornos, frágeis,
de entre dois gemidos.
Quando a morte, a eterna?
Quando o Conhecido?
Que isto já nos cansa,
a nós, os malformados,
desde a distante infância
frutos destinados.
Somos os que a vida
fez limite amargo.
De infindas, só as penas,
de vago, o aviso vago.
Lágrimas na cadeira do dentista
Renata Pallottini
Não, não é o dente que dói.
Não, o motor não incomoda.
Não me doem os dentes
mas quem morde.
Nunca o que dói é o aparente
senão o outro, de outra ordem
o oculto na cárie da vida, o tártaro
dos ossos ,
na intempérie incisiva da dentadura mole.
Nunca o que dói, doutor,
é o que fazem as máquinas,
senão
o humano dessas brocas
os buracos
da alma.
Ponha ouro, doutor,
e seja lá o que possa
morder o dente, ávido de amor,
a conta, ao fim, é nossa.
As metáforas construídas por Pallottini, no poema, anterior, para traduzir esse sofrimento inevitável – “os buracos/ da alma”, “o oculto na cárie da vida” – do ser humano no acerto com seu destino – “a conta, ao fim, é nossa.” – são uma marca original de sua linguagem poética.
Por último, seria imperdoável não postar o belo poema que consegue o efeito de envolver o extremo erótico na sutileza pictórica obtida pelo apelo à delicadeza de uma fruta que carrega, em si, do imaginário social e literário, a pureza da ausência do erótico.
Cerejas, meu amor
Por último, seria imperdoável não postar o belo poema que consegue o efeito de envolver o extremo erótico na sutileza pictórica obtida pelo apelo à delicadeza de uma fruta que carrega, em si, do imaginário social e literário, a pureza da ausência do erótico.
Cerejas, meu amor
Renatta Pallottini
Cerejas, meu amor,
mas no teu corpo.
Que elas te percorram
por redondas.
E rolem para onde
possa eu buscá-las
lá onde a vida começa
e onde acaba
e onde todas as fomes
se concentram
no vermelho da carne
das cerejas...
Visite também meus blogues Conto-gotas (aqui) e Poema Vivo (aqui).
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