Eliane F.C.Lima
Sonho
Adriana Lisboa
Ele conta o sonho que teve com ela. Chegavam numa padaria. Fome. Cheiro de pãozinho fresco. Ainda demora a sair?, ele pergunta. Não, na verdade acabou de sair. Então vê dois pra gente, com manteiga.
Ele conta o sonho e sorri.
(Caligrafias – Rio de Janeiro: Rocco, 2004)
Inicialmente, remeto quem visita a minha postagem anterior sobre a escritora, onde posto alguns dados sobre ela (link). Hoje escolhi uma narrativa de um de seus livros.
Faço aqui, pelo menos, duas leituras possíveis do texto, voltando a citar a Teoria da Recepção, que atribui ao leitor um papel importante no significado do texto. Seu horizonte de expectativas é parte importante da fundação desses sentidos.
Minha estratégia foi procurar os dois significados principais para o vocábulo “sonho”, conceitos adaptados do dicionário de Caldas Aulete, aplicando cada um à narrativa:
1.Ação ou resultado de sonhar, enquanto se dorme.
2.Desejo intenso e constante, aspiração ou imaginação sem fundamento, sequência de ideias vãs e incoerentes às quais o espírito se entrega.
O primeiro significado levaria a uma leitura mais linear do texto. Mas o sonhar com um acontecimento cotidiano, permite ainda uma visão poética da rotina, o relacionamento bem-sucedido de duas pessoas que pode se concretizar até na ingenuidade do dia a dia. A felicidade no simples. O final do texto confirma isso.
Porém há a possibilidade da palavra “sonho”, no título, diferentemente do que parece apontar no texto em si, conter o segundo significado. Nesse caso, nesse sonho, o “chegar a uma padaria”, “o pãozinho fresco”, o “com manteiga” podem pertencer, não ao universo da rotina, do dia a dia, do simples, mas ao universo do “desejo intenso”, da “imaginação sem fundamento”, à “sequência de ideias vãs” e, nesse caso, ficaria a pergunta: que tipo de casal – em que situação vivem –, para o qual “pão com manteiga” se torna o objeto do desejo impossível de se realizar? O “sorrir” agora, diversamente da leitura anterior, que apenas se comprazia com um sonho divertido e simpático, se reveste do sentimento de preenchimento pelo sonho para uma necessidade diante do vazio da realidade.
Devo chamar a atenção de quem lê, no entanto, que as virtualidades interpretativas estão no texto e partem dele. As possibilidades de leitura não pertencem à imaginação livre do olhar receptivo, tendo o processo de entendimento do texto, ao contrário, um movimento de bumerangue: partem do texto – estão latentes nele – em direção de quem lê e voltam ao texto. Conhecer os vários significados de um termo, por exemplo, levam à sobreposição de sentidos de uma narrativa. Convido a (o) visitante a, abalizadamente, encontrar o seu próprio percurso.
Aguardo a(o) visitante em meus blogues Poema Vivo e Conto-gotas.
Sonho
Adriana Lisboa
Ele conta o sonho que teve com ela. Chegavam numa padaria. Fome. Cheiro de pãozinho fresco. Ainda demora a sair?, ele pergunta. Não, na verdade acabou de sair. Então vê dois pra gente, com manteiga.
Ele conta o sonho e sorri.
(Caligrafias – Rio de Janeiro: Rocco, 2004)
Inicialmente, remeto quem visita a minha postagem anterior sobre a escritora, onde posto alguns dados sobre ela (link). Hoje escolhi uma narrativa de um de seus livros.
Faço aqui, pelo menos, duas leituras possíveis do texto, voltando a citar a Teoria da Recepção, que atribui ao leitor um papel importante no significado do texto. Seu horizonte de expectativas é parte importante da fundação desses sentidos.
Minha estratégia foi procurar os dois significados principais para o vocábulo “sonho”, conceitos adaptados do dicionário de Caldas Aulete, aplicando cada um à narrativa:
1.Ação ou resultado de sonhar, enquanto se dorme.
2.Desejo intenso e constante, aspiração ou imaginação sem fundamento, sequência de ideias vãs e incoerentes às quais o espírito se entrega.
O primeiro significado levaria a uma leitura mais linear do texto. Mas o sonhar com um acontecimento cotidiano, permite ainda uma visão poética da rotina, o relacionamento bem-sucedido de duas pessoas que pode se concretizar até na ingenuidade do dia a dia. A felicidade no simples. O final do texto confirma isso.
Porém há a possibilidade da palavra “sonho”, no título, diferentemente do que parece apontar no texto em si, conter o segundo significado. Nesse caso, nesse sonho, o “chegar a uma padaria”, “o pãozinho fresco”, o “com manteiga” podem pertencer, não ao universo da rotina, do dia a dia, do simples, mas ao universo do “desejo intenso”, da “imaginação sem fundamento”, à “sequência de ideias vãs” e, nesse caso, ficaria a pergunta: que tipo de casal – em que situação vivem –, para o qual “pão com manteiga” se torna o objeto do desejo impossível de se realizar? O “sorrir” agora, diversamente da leitura anterior, que apenas se comprazia com um sonho divertido e simpático, se reveste do sentimento de preenchimento pelo sonho para uma necessidade diante do vazio da realidade.
Devo chamar a atenção de quem lê, no entanto, que as virtualidades interpretativas estão no texto e partem dele. As possibilidades de leitura não pertencem à imaginação livre do olhar receptivo, tendo o processo de entendimento do texto, ao contrário, um movimento de bumerangue: partem do texto – estão latentes nele – em direção de quem lê e voltam ao texto. Conhecer os vários significados de um termo, por exemplo, levam à sobreposição de sentidos de uma narrativa. Convido a (o) visitante a, abalizadamente, encontrar o seu próprio percurso.
Aguardo a(o) visitante em meus blogues Poema Vivo e Conto-gotas.
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