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quarta-feira, 7 de abril de 2010

O tempo (e o vento): a duração do ser - Palavras sobre palavras 14

Eliane F.C.Lima

Nesta postagem, vamos estudar um aspecto importante na obra de Cecília Meireles, ou seja, o tempo. Vamos verificar como tal tema assume algumas máscaras diferentes, como diversos termos vão sendo trazidos para o campo poético e anexados ao sema – unidade mínima de significação dentro de um campo semântico – “tempo”.

O primeiro deles é “vento”, presença constante nos textos da poeta. Além de seu aspecto denotativo, tradicional, o vocábulo é um termo extremamente cambiante. E um deles é o comprometimento com a ideia temporal, como se pode ver nas estrofes selecionadas abaixo. Um vento inteiramente alterado em seu sentido natural, por assim dizer, apresenta-se como agente daquela dimensão.

Motivo

Cecília Meireles

(...)
Irmão das coisas fugidias,
Não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
(...)


Oito

Cecília Meireles

Ó linguagem de palavras
longas e desnecessárias!
Ó tempo lento
de malbaratado vento
nessas desordens amargas
do pensamento...
(...)
(O aeronauta)

Canção

Cecília Meireles

Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
(...)

Além do aspecto que vinha sendo observado, é interessante salientar que, na estrofe acima, de “Canção”, há uma diferenciação entre “tempo” e “eternidade”, como se o segundo termo não fosse um prolongamento infinito do primeiro. Parece que “tempo” tem um limite e sua duração equivaleria à duração dos seres e das coisas. Estaria, então, intimamente, preso a eles? E a eternidade, independente de particularizações? No trecho que se segue, aparece a expressão “fim do tempo”, que confirma a hipótese conceitual aqui levantada. E é bom que se repare no quanto a noção de tempo está aderida à noção de “matéria” e a seu consequente perecimento.

Marcha

Cecília Meireles

(...)
Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.
(...)


Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento…
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento.

Observando-se a última estrofe, vão aparecer dois elementos importantes. A expressão “horizonte”, anulada de toda a sua corriqueira noção de paisagem, isto é, de espaço, é um final de vida – é morte? E se introduz, também, o grande compromisso que há entre tempo e vida, o que já se tangenciou naquele “fim do tempo”, na idéia de limite.

A Flor e o Ar

Cecília Meireles

A flor que atiraste agora,
quisera trazê-la ao peito;
mas não há tempo nem jeito...
Adeus! Que já vou-me embora.

Sou dançarina do arame,
não tenho mão para flor:
Pergunto, ao pensar no amor,
como é possível que se ame.

Arame e seda, percorro
o fio do tempo liso.
E nem sei do que preciso,
de tão depressa que morro.

Neste destino a que vim,
tudo é longe, tudo é alheio.
Pulsa o coração no meio
só para marcar o fim.

A metáfora do arame – fio do tempo – para vida é magnífica. Aqui, novamente, o tempo que termina junto com a vida, implícito em “morro” e em “fim”.

Mudo-me breve

Cecília Meireles

(...)
Fico tão longe como a estrela.
Pergunto se este mundo existe,
e se, depois que se navega,
a algum lugar, enfim, se chega...
- O que será, talvez, mais triste.

Nem barca, nem gaivota:
somente sobre-humanas companhias...
Em suas mãos me entrego,
invisíveis e sem resposta.
Calada vigiarei meus dias.

Quanto mais vigiados, mais curtos!
Com que mágoa o horizonte avisto...
aproximado e sem recurso.
Que pena, a vida ser só isto!

No poema acima, a finitude do tempo traduzido por “dias” – “Quanto mais vigiados, mais curtos!” – volta a surgir aqui na figura do horizonte, metáfora do atingimento de um limite final. Assim se imbricam duas dimensões aparentemente diferentes: o espaço (horizonte) e o tempo. E esse comprometimento – espaço/tempo – também toma contornos nítidos no poema a seguir.

Canção Excêntrica

Cecília Meireles

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

Recomendo a consulta de Flor de poemas – Cecília Meireles, da coleção Mestres da literatura brasileira e portuguesa, da Editora Record, de onde foram transcritos os poemas aqui usados.

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