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sábado, 22 de março de 2014

Parte III: A pseudo “alma feminina”: Senhora e o olhar do século XIX sobre a mulher.


A heroína silenciada e a evolução do herói



Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)



A terceira parte do estudo – reenfatize-se a leveza dele – sobre Senhora, de José Alencar, como caracterização da mulher do século XIX, usará como foco a personagem romântica personificada em Aurélia Camargo, a protagonista do romance.

Em primeiro lugar, é necessário se ressaltar que tais protagonistas seguem um padrão de idealização, que, de forma geral, enquadram as mulheres de então, ficcionais ou não.

É indispensável também ser ressaltado que a palavra “idealização” não traz em si uma fixidez significativa, como aliás, a maioria dos termos: o ideal para uma época pode não ser para outra.

Assim, o ideal de mulher do século referido e compartilhado pela trama de Senhora seria um ser recatado, guardião da sacralidade do lar, consciente de seus limites, principalmente intelectuais, cujo extremismo sentimental faria dele só coração. Esses atributos comporiam um tipo romântico.

Quem lê o romance em questão imagina que Alencar faz, portanto, de sua personagem um ser ímpar por desenhá-la diferente de tais padrões: submete todos os seus pretendentes a sua vontade, é mais senhora de seu tutor do que regida por ele, traça um plano racionalizado em seus mínimos detalhes para sujeitar seu marido comprado a toda a sorte de humilhações. Em vez de uma personagem “tipo” – aquela que está submetida a um padrão comportamental, no caso, a que seguisse fielmente o projeto romântico –, Aurélia seria uma personagem “indivíduo” – aquela personagem que tem características próprias e não pode ser identificada em outras personagens. A alusão ao termo “senhora”, que inclusive, dá título ao romance, refere-se a esse aparente perfil da personagem principal:

Aurélia tomou o braço do marido, e afastou-se lentamente ao longo da alameda.
Por que me chama senhóra? perguntou ela fazendo soar o ó com a voz cheia?
Defeito de pronúncia.
Mas às outras diz senhora. Tenho notado; ainda esta noite.
Esta é, creio eu, a verdadeira pronúncia da palavra; mas nós, os brasileiros, para distinguir da fórmula cortês, a relação de império e domínio, usamos da variante que soa mais forte, e com certa vibração metálica. O súdito diz à soberana, como o servo à sua dona, senhóra. Eu talvez não reflita e confunda.
Quer isso dizer que o senhor considera-se meu escravo? – perguntou Aurélio fitando Seixas. (p. 197)

Enganar-se-á, porém, essa pessoa leitora, se não reparar em alguns detalhes bastante importantes, que podem ser inferidos dos exemplos baixo e que serão comentados a seguir e vão compondo uma personagem, que, ao final do romance, se mostra a heroína romântica, por excelência.

É verdade! Desculpe-me, Aurélia, a precipitação... Ele exige vinte contos de réis à vista, até amanhã, sem o que não aceita.
Pague-os!
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Cobria-se-lhe o semblante de uma palidez mortal; e por momentos parecia que a vida tinha abandonado aquele formoso vulto, congelado em uma estátua de mármore. (p. 57)

Nesse trecho, o tutor informa à Aurélia que Seixas havia não só aceitado casar-se com ela por um dote maior, desfazendo o arranjo matrimonial e financeiro anterior que tinha com outra moça, mas exigia um adiantamento. É importante se observar o transe emocional por que passa a personagem: o que deveria ter sido recebido com alegria – o sucesso em casar-se, por fim, com o antigo amado –, indica um sentimento oposto: “uma palidez mortal”.

A personagem principal já tinha, desde o início da trama, quando não possuía ainda fortuna e entregara seu amor a Seixas em vão, fornecido pistas concretas de suas características tão caras ao estilo de época:

A sua promessa de casamento o está afligindo, Fernando; eu lha restituo. A mi basta-me o seu amor, já lho disse uma vez; desde que mo deu, não lhe pedi nada mais. (p.104)

[…] Mas Deus nos deu uma missão neste mundo, e temos de cumpri-la [disse Seixas].
A minha é amá-lo. A promessa que o aflige, o senhor pode retirá-la tão espontaneamente como a fez. Nunca lhe pedi, nem mesmo simples indulgência, para esta afeição; não lha pedirei neste momento em que ela o importuna. (p. 107)

Abandonando-a Seixas por vender-se a primeira vez, a comoção por que passa a personagem principal já aponta seu apego à idealização com que são configuradas as mulheres de então, como se evidencia na passagem adiante:

Recebeu uma carta anônima. Comunicavam-lhe que Seixas a havia abandonado por um dote de trinta contos de réis. Acabando de ler essas palavras levou a mão ao seio, para suster o coração que se lhe esvaía.
Nunca sentira dor como esta. Sofrera com resignação e indiferença, o desdém e o abandono, mas o rebaixamento do homem, a quem amava, era suplício infindo, de que só podem fazer ideia os que já sentiram apagarem-se os lumes d'alma, ficando-lhes a inanidade.
Debalde Aurélia refugiou-se nos primeiros sonhos de seu amor. A degradação de Seixas repercutia no ideal que a menina criara em sua imaginação, e imprimia-lhe o estigma. Tudo ela perdoou a seu volúvel amante, menos o tornar-se indigno de seu amor.
Que pungente colisão! Ou expelir do coração esse amor que tinha decaído, e deixar a vida para sempre erma de um afeto; ou humilhar-se adorando um ente que se aviltara, e associando-se à sua vergonha. (grifo meu. p. 108)

Não é a lacuna do amado que faz Aurélia sofrer, mas a lacuna do amor que desapareceria por aquele não corresponder a esse.

Na noite das núpcias, o marido descobre todas as motivações anteriores de sua mulher para escolhê-lo dentre outros pretendentes mais legítimos. Ao conseguir comprá-lo por um valor mais alto – Fernando aceita a proposta feita anonimamente pelo tutor de Aurélia –, retomando-o da noiva pela qual tinha sido preterida e que lhe oferecera também um dote, a protagonista irá se decepcionar pela segunda vez, sendo esse um golpe irrecuperável na idealização do amor. Na verdade, o fato revelado por ela é o verdadeiro mote para o desenvolvimento da narrativa.

Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão, que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em quem não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de paixão com que eu o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-lhe e amá-lo.
              A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
Mas o senhor não me abandou pelo amor de Adelaide e sim pelo seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha o direito de fazer, e que jamais lhe podia perdoar. Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio.
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[…] Entretanto, ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés. Suplicar-lhe que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser; mas consinta que eu o ame. Esta última consolação o senhor a arrebatou. Que me restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima. (grifos meus. p. 120-121)

Após onze meses de vilipêndio, o marido comprado restitui o dinheiro que recebera, conseguido com seu trabalho e honestamente e, por esse modo, libera-se da palavra dada, terminando com um casamento que, podia ser, então, uma prática social, mas contrariava o idealizado casamento por amor. Nesse momento, Seixas é alçado à condição de herói romântico, situação a qual não correspondera até então. Diferentemente da personagem protagonista, que tem um comportamento sempre preso aos parâmetros da heroína literária epocal e, portanto, uma postura estática, como constatam as mesmas passagens do romance, a personagem masculina central evolui em direção ao papel que lhe cabe na estética romântica. É nessa condição que ele, finalmente, sobe a seu “pedestal”, à sua condição de ídolo e tem, portanto, um lugar no coração ressuscitado da heroína.


Pois bem, agora ajoelho-me a teus pés, Fernando, e suplico-lhe que aceites meu amor, este amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais cruelmente ofendia-te. (grifo meu, p. 234)

Aquela que te humilhou, aqui a tens abatida, no mesmo lugar onde ultrajou-te, nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando seu perdão e feliz porque te adora, como o senhor de sua alma. (grifo meu, p. 234-235)

Duas particularidades dos trechos, nem um pouco desprezíveis, ao contrário, bastante significativas, saltam aos olhos de quem lê: primeiro a subserviência a que se entrega Aurélia – o vocábulo “abatida” pode ter o significado de “diminuído em suas forças físicas e/ou morais” –, ela sempre tão orgulhosa e altiva, ajoelhada, numa posição de inferioridade frente ao marido. Pode-se até imaginar uma ave que, acostumada a altos e grandes voos, é caçada e se faz ao chão. A imagem é forte, mas corresponde bastante ao trecho. Para mostrar-se digna do amor de Fernando, ela tem de descer à condição estabelecida para a mulher do século XIX. Se ele tem de subir em seu pedestal, como ídolo, como herói, ela tem de ser rebaixada, para corresponder a essa mesma idealização. 
Segundo – e confirmando essa primeira particularidade –, a oposição que se estabelece na troca de posições entre Aurélia e Fernando – inadequadas até então, de acordo com os preceitos do Romantismo, caros ao século. O termo que é escolhido no texto não é apenas uma coincidência: ela, que era “senhóra” (rever p. 197)), abdica de sua posição e pede ao amado que se torne “o senhor de sua alma”. Invertem-se os papéis. Mais do que uma questão amorosa, evidencia-se uma submissão prevista pela sociedade. O fecho do romance indica, finalmente, que essa era a condição “essencial” para a paz e desejava desde o princípio pela própria Aurélia: “As cortinas cerraram-se, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.” (p. 235)





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domingo, 9 de março de 2014

Parte II: A pseudo “alma feminina”: Senhora e o olhar do século XIX sobre a mulher.


Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)


Antes de se iniciarem os comentários sobre certos aspectos da narrativa propriamente dita – esses dados são levantados na terceira parte –, chama-se a atenção para o fato de que, na primeira parte do estudo sobre o romance Senhora, foi citado o aproveitamentos dos costumes sociais de meados do século XIX presentes no romance. Os exemplos citados são tirados da 5.a edição da Editora Martin Claret, da “Coleção a obra-prima de cada autor”.

Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha ainda admitido ainda certa emancipação feminina.” (p.17)

Riam-se todos destes ditos de Aurélia e os lançavam à conta de gracinhas de moça espirituosa; porém a maior parte das senhoras, sobretudo aquelas que tinham filhas moças, não cansavam de criticar esses modos desenvoltos, impróprios de meninas bem-educadas. (p. 19-20)

Por isso cresciam as tristezas e inquietações da boa mãe, pensar que também esta filha estaria condenada à mesquinha sorte do aleijão social, que se chama celibato. (p.45)

Vendido! – exclamou Seixas, ferido dentro d'alma.
Vendido sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento. (p.81)

Nessas circunstâncias, a mãe só via para a filha o natural e eficaz apoio de um marido. (p. 90)

No primeiro ensejo interrogou o moço acerca de suas intenções. Fez valer o argumento formidável da sombra que um galanteio ostensivo projeta sobre a reputação de uma menina, quando não o perfumam os botões de laranjeira a abrir em flor. Lembrou também que a preferência exclusiva afugentava os pretendentes, sem garantia do futuro. (p.99)

Apesar da aparente crítica dos costumes sociais da época em que se desenvolve a trama literária – “Sou rica, muito rica, sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas.” –, uma observação mais atenta dá a perceber que muitos dos conceitos que são destilados por toda a obra acabam fazendo coro a esses mesmos costumes, principalmente em relação à posição da mulher naquela sociedade. 
Para observar esse aspecto, começa-se a chamar a atenção para a posição do narrador, personagem criado como responsável pela enunciação, que, se parece estar em um ponto de vista externo, em algumas passagens se mostra uma presença subjetiva:

Suspeito eu porém que a explicação dessa singularidade já ficou assinalada. Aurélia amava mais seu amor do que seu amante; era mais poeta do que mulher; preferia o ideal ao homem. (p.106)

E essa presença subjetiva, responsável, portanto, pelos conceitos ali expostos, se trai não somente pela presença explícita do pronome de primeira pessoa. Os articuladores textuais escolhidos pelo narrador vão dando conta de suas posições frente ao objeto narrado, como tão bem descreveu os aspectos teóricos da análise do discurso. Como se comprova no exemplo abaixo, se, à primeira vista, o trecho parece apenas conter uma constação de época, o advérbio “felizmente”, de natureza afetiva, mas francamente axiológico (que se manifesta com um caráter de valor para o enunciador do discurso), tão bem descrito pela teoria citada, abre, significativamente, o parágrafo: o narrador se posiciona claramente a favor da “antiga educação brasileira”, bem como pelas opiniões que recheiam toda a trama.

Felizmente D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma rigorosa educação que recebera; antiga educação brasileira, já bem rara em nossos dias, que, se não fazia donzelas românticas, preparava a mulher para as sublimes abnegações que protegem a família e fazem da humilde casa um santuário. (O grifo é meu – p.44)

Ainda, refletindo sobre o exemplo anterior, pode-se argumentar que o termo “abnegação” (renúncia, desprendimento, altruímo, sacrifício de direitos), intensificado pelo atributo “sublime” (quase sagrado), já permite a quem lê prever as concepções que esse narrador tem – e o que valoriza – do papel social da mulher: o silêncio, o recato, a não intervenção no processo social público. À mulher estavam reservadas as sublimes abnegações que protegem a família e fazem da humilde casa um santuário.”, ou seja, o papel privado.

Era realmente para causar pasmo aos estranhos e susto a um tutor, a perspicácia com que essa moça de dezoito anos apreciava as questões mais complicadas; o perfeito conhecimento que mostrava dos negócios, e a facilidade com que fazia, muitas vezes de memória, qualquer operação aritmética por mais complicada e difícil que fosse.
Não havia porém em Aurélia nem sombra do ridículo pedantismo de certas moças que, tendo colhido em leituras superficiais certas noções vagas, se metem a tagarelar de tudo.
Bem ao contrário, ela recatava sua experiência, de que só fazia uso, quando o exigiam seus próprios interesses. Fora daí ninguém lhe ouvia falar de negócios e emitir opinião acerca de coisas que não pertencessem à sua especialidade de moça solteira. ( O grifo é meu – p. 30)


E a justificativa desse comportamento social não intervencionista é equacionado claramente no delineamento da características do ser “Mulher” – emocionais, presas ao coração, ao contrário dos homens, presos à razão –, ser singularizado através do enquadramento de todas as mulheres dentro de uma pretensa essência feminina, por assim dizer, essência da qual, não foge nem a personagem Aurélia, mesmo com as especificidades que apresenta como heroína do romance e, portanto, um ser especial. Os exemplos são abundantes nas palavras do narrador. Alguns trechos foram colocados em negrito para realce do que se quer apresentar.

Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos pardos, brilhavam a irradiação da inteligência. Operava-se nela uma revolução.
O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem.(p. 30)

Via-se bem que essa altiva e gentil cabeça não carregava um fardo, talvez o espólio de um crânio morto, jugo cruel que a moda impõe às moças vaidosas. O que ela ostentava era a coma abundante de que a tocara a natureza, como às árvores frondosas, era a juba soberba de que a galanteria moderna coroou a mulher como emblema de sua realeza. (p.64)

No altivo realce da cabeça e no enlevo das feições cuja formosura se toucava de lumes esplêndidos, estava-se debuxando a soberba expressão do triunfo, que exalta a mulher quando consegue a realidade de um desejo férvido e longamente ansiado. (p.74)

Seixas ajoelhou aos pés da noiva, tomou-lhe as mãos que ela não retirava; e modulou o seu canto de amor, essa ode sublime do coração, que só as mulheres entendem, como somente as mães percebem o balbuciar do filho. (p. 80)

A natureza dotara Aurélia com a inteligência viva e brilhante da mulher de talento, que se não atinge ao vigoroso raciocínio do homem, tem a preciosa ductilidade de prestar-se a todos os assuntos, por mais diversos que sejam. O que o irmão não conseguira em meses de prática foi para ela estudo de uma semana. (p. 89)

Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir desses limbos. (p.104)

Desse modo, percebe-se que a leitura de um texto literário está longe de se constituir apenas na fruição inocente de uma obra artística. Há muito mais a ser revelado. 
Mas, a despeito dos comentários anteriores sobre as particularidades sociais levantadas, quem leu a obra em questão se deparou com a magnificência da habilidade narrativa alencariana e foi envolvido por uma história da qual não conseguiu fugir até chegar a seu final surpreendente.
Convido a quem me lê a voltar para acompanhar a terceira parte, que fala mais abrangentemente dessa trama de Senhora, observada então a força que o texto tem.


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quarta-feira, 5 de março de 2014

A pseudo alma feminina: "Senhora" e o olhar do século XIX sobre a mulher



                    PRAÇA JOSÉ DE ALENCAR - FLAMENGO - RIO DE JANEIRO

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais)


Parte I

A postagem que ora se inicia é um superficial estudo sobre o magnífico romance Senhora, do escritor romântico José Martiniano de Alencar, que, nascido em 1829, no Ceará, falece muito jovem ainda, aos 48 anos (1877), o que permite ao público imaginar – uma vasta obra escrita em tão pouco tempo e mais de um romance em um mesmo ano –, que obra não teríamos, se nos fosse dada a sorte de ele ter vivido mais anos: os romances indianistas O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874); os urbanos ou de costumes Cinco minutos (1856), A viuvinha (1857), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Sonhos d'ouro (1872), Senhora (1875) e Encarnação (1877 - publicação póstuma); os regionalistas O gaúcho (1870) O tronco do Ipê (1871), Til (1871) e O sertanejo (1875); os históricos As minas de prata (1865-1866) e A guerra dos mascates (1871-1873). O guarani é um verdadeiro romance épico.
Num olhar atento, percebe-se o plano nacionalista que Alencar seguiu de abarcar o Brasil em todas as suas variações geográficas, culturais e históricas, desde sua origem. Comparece-se apenas, por exemplo, O sertanejo (região Nordeste), O gaúcho (região Sul) e os vários romances urbanos, cujas tramas transcorrem no Rio de Janeiro.
Senhora é uma análise da sociedade brasileira urbana do século XIX. No romance, são abordadas, com olhar crítico, várias instituições sociais da época, como o casamento das classes favorecidas economicamente através de uma transação comercial. A par deste aspecto, outros costumes sociais vêm à tona.
Aurélia, a heroína-título, a príncipio paupérrima, que, ao contrário das mocinhas da época – à primeira vista, a protagonista parece contrariar o perfil de mulher de então –, não treme por um casamento, vê frustrado, no entanto, seu desejo de realização puramente amorosa, justamente subjugado aos ditames sociais do contrato de núpcias comercial, o que dá ensejo ao enredo envolvente do romance. A herança que recebe – no Romantismo quase sempre havia uma inesperada herança – permite realizar uma vingança contra o amado vendido para outra. Desse modo, a trama é dividida em quatro partes e os títulos procuram denunciar, não só a intenção de Aurélia ao “comprar” Fernando Seixas, como mostrar a crítica feroz que a mesma empreende contra a sociedade que a maltratara, usando seu próprio veneno: “Primeira parte: O preço”; “Segunda parte: Quitação”; “Terceira parte: Posse” e “Quarta parte: Resgate”.
O estudo ora iniciado e continuado em postagens posteriores tem como finalidade, na verdade, mostrar como, apesar das intenções de análise e crítica social, Alencar não consegue fugir da visão da época – está preso a ela, como qualquer um, pois é a “sua” época – e submerge nas comuns concepções de então sobre a mulher, concepções, aliás, que ainda continuam a ser repetidas até hoje.

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