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quinta-feira, 11 de junho de 2015

O inédito no recorrente, um dos traços da trama criativa de Marina Colasanti – PARTE II

Eliane F.C.Lima

Novo processo pode ser surpreendido no livro de contos citado na postagem anterior, de Marina Colasanti. Aliás, outros autores já se aproveitaram desse aspecto como ponto de partida. Leiamos o conto primeiramente.

A busca da razão

Sofreu muito com a adolescência.
Jovem, ainda se queixava.
Depois, todos os dias subia numa cadeira, agarrava uma argola presa ao teto e, pendurado, deixava-se ficar.
Até a tarde em que se desprendeu esborrachando-se no chão: estava maduro. 
(COLASANTI, Marina, p. 65)


O que chama logo a atenção é o título, que mantém, indiscutivelmente, um diálogo com o romance de Jean-Paul Sarte (1905-1980), filósofo francês existencialista, livro publicado em 1945, denominado A idade da razão, primeiro volume da trilogia Os Caminhos da Liberdade.  A idade da razão seriam aqueles anos em que se atinge a maturidade, provavelmente nunca antes dos quarenta anos.
Mas aqui há que se chamar a atenção para dois conceitos importantes no que se refere ao uso das palavras e expressões: seu sentido denotativo e conotativo. Utilizemos, novamente, o excelente espaço on-line E-Dicionário de termos literários, de Carlos Ceia, para as definições de denotação e conotação.

Se denotação pode ter uma definição simples, podemos dizer que se trata do uso da palavra em seu sentido usual ou literal. O valor referencial ou denotativo da linguagem ocorre, portanto, quando lhe atribuem o sentido dos dicionários, quando designa determinado objeto, referindo-se à realidade palpável. (Alessandra Vieira – link )


A conotação remete para as ideias e as associações que se acrescentam ao sentido original de uma palavra ou expressão, para as completar ou precisar a sua correcta aplicação num dado contexto. Por outras palavras, tudo aquilo que podemos atribuir a uma palavra para além do seu sentido imediato e dentro de uma certa lógica discursiva entra no domínio da conotação. (link )

Sendo assim, a palavra “maduro”, denotativamente, refere-se a legumes e frutas, quando, completado seu ciclo, estão em ponto de serem colhidos e consumidos. Conotativamente, “maduro” pode referir-se a uma ideia ou projeto, quando estão num ponto ideal de acabamento; a sentimento, quando se refere, por exemplo, a um relacionamento seguro entre duas pessoas; a uma pessoa, quando atinge uma idade  em que as decisões ou atitudes sempre se dão após uma reflexão saudável.
Ao iniciar a leitura do conto, induzida pelo título e pela presença da personagem humana, a pessoa leitora seria levada ao “maduro” conotativo, se não fosse surpreendida – e atropelada interpretativamente – pela denotação do “pendurado” e do “se desprendeu esborrachando-se no chão”, o que leva à ideia de fruto e seus atributos naturais ao termo analisado. A força literária do conto está exatamente aí, nesse jogo denotação/conotação, na interseção desses dois níveis semânticos no desenvolvimento do tema. Essa interseção, do mesmo modo que no conto analisado na postagem anterior, deixa quem lê no instável território do nonsense.
Vale a pena se observar ainda que, mais frequentemente, o recurso literário está em atribuir um campo conotativo ao denotativo, como se viu no conto “No mar sem hipocampos”. No lido acima, a escritora surpreende pela ousadia: ao final da leitura, confusamente, quem lê, percebe que a personagem cair de maduro não se daria por sensatez da idade, isto é, pelo recurso da conotação, mas pela mesma motivação de um fruto consumível, qual seja, um fato marcado pela denotação. Tal conclusão, porém, ainda é precipitada e não se instala, porque não se confirma: o pretenso uso, marcado pela denotação, por ser atribuído a um ser humano, acaba sendo surpreendido como  uma verdadeira acrobacia conotativa de criação literária.

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