Eliane
F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais – RJ)
Com
a seca que o Sudeste vem enfrentado, neste ano de 2015 – o país
tem ignorado o sofrimento do Nordeste todos esses anos –, me veio à
lembrança o romance
O Quinze (publicado
em 1930),
de Rachel de Queiroz (1910 - Ceará - 2003 - Rio de Janeiro), a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, em 1977. O tema subjacente, através da ficção, é a
terrível seca de 1915 que fez com que milhares de nordestinos,
abandonados à própria sorte por aqueles que os exploravam durante o
resto do tempo, tivessem de abandonar suas casas – a maioria
trabalhava como colono em terras de pequenos proprietários ou
latifundiários – e fugir para a capital, onde havia alguma ajuda
do governo. Praticamente isolados em guetos (remeto
para o link, onde há notícia mais detalhada sobre isso.),
muitos continuavam a passar a fome e a morte, as quais enfrentaram na
fuga, sob o sol abrasante. A
bagaceira,
de José Américo de Almeida (publicado
em 1928)
trata do mesmo tema, bem como, mais tarde, Vidas
secas (1938),
de Graciliano Ramos.
O
romance
da escritora, escrito aos 19 anos, foi recebido com aplausos, mas uma
sociedade ainda muito mais machista do que hoje, gostou
do texto e, por isso, duvidou
da autoria de mulher. A
autora fugia dos temas intimistas que as escritoras
de então perseguiam. O
próprio Graciliano Ramos confessa que, quando leu, imaginou que
fosse “pseudônimo de sujeito barbado.”
A
explicação literal e sem rodeios estaria
nas palavras de outro analista,
Augusto Frederico Schmidt, que elogiando o romance diz:
Nada
há no livro de D. Rachel de Queiroz que lembre, nem de longe, o
pernosticismo, a futilidade, a falsidade da nossa literatura
feminina. É o livro de uma criatura simples, grave e forte, para
quem a vida existe.
Numa
penada só, elogia a escritora, mas ofende todo um segmento enorme da
sociedade, o das mulheres e de suas representantes escritoras.
Observe-se que, seu critério e definição de “vida” passa,
exclusivamente, pela maneira masculina de ver o mundo, o mais não
“existe”. Como
bom representante da sociedade patriarcal que é, para Schmidt, é o
universo feminino que não existe.
Adiante,
é
possível se surpreender, sem
possibilidade de dupla interpretação de seu pensamento, que
conceito tem sobre uma
mulher, pois
vai bastante
além de refletir sobre escritoras:
Vê-se
bem que a Autora ficou dentro da sua experiência – contentou-se
com o que podia fazer –, não foi além das suas possibilidades
psicológicas e por isso foi feliz.
É
revoltante o encontro de quem lê com
as
expressões “ficou dentro”, “contentou-se”, “podia”,
“não
foi além”: o elogio à escritora se deve, justamente, por ela não
ter pretendido ultrapassar os limites que a sociedade rigidamente
estabelecia para as mulheres e que ele aplaude com veemência. E esse
homem
é um formador de opinião, cuja
publicação saiu em “As novidades literárias, artísticas e
científicas”, publicação da época. A avaliação dele a
respeito das mulheres é tão depreciativa que, sem muito esforço,
pode-se pressentir que ele exorta escritoras – lembremo-nos do que
ele achava sobre a literatura feminina de uma maneira geral – a não
irem além de “sua experiência “ – de mulher? – e de “suas
possibilidades psicológicas” – as mulheres seriam limitadas
nesse quesito!
Por
outro lado, embora, segundo ele, a autora se prendesse a seus limites
psicológicos – ela deve ter percebido que “não passava de uma
mulher”, segundo a letra da canção de Martinho da Vila (recomendo
a leitura da letra e crítica sobre ela no link.) –, seu tema não é o mesmo da literatura intimista e subjetiva
das escritoras de então, fase fundamental e compreensível no começo
da assunção das mulheres da reflexão sobre si mesmas. Segundo ele,
ela pega um tema masculino – a reflexão sobre a vida social, ou
seja, fora dos limites femininos do domus
(da casa) –, daí o estranhamento de Graciliano, que “existe”
na “vida”, mas o trata sem a arrogância que, de acordo com Schmidt, uma mulher não
deve ter. Que diria ele hoje sobre um romance como O matador, de Patrícia Melo?
Na
próxima postagem, iremos refletir sobre certos aspectos do texto da
escritora.