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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Parte IV - Os fenômenos fundamentais da Criação Literária

O gênero Lírico

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais) 
 
A presente postagem terá como objetivo fazer uma análise de três poemas – gênero lírico –  sob o ponto de vista da teoria defendida por Käte Hamburguer, a estudiosa alemã, que já vimos examinando. É interessante relembrar que a tese de seu livro sempre citado é de que há uma “lógica da criação literária”, identificável em seus aspectos linguísticos. Aqui enfatiza-se, resumidamente, alguns pontos levantados antes.
1. Exame da tensão conceitual entre “criação literária” e “realidade”,  sendo que “realidade” aparecerá apenas em seu sentido de confronto ou relação com a ficção (o modo criado e representado pela literatura narrativa – romance, conto etc – e dramática): a narração, que faz as personagens falarem por si, de maneira mimética, no sentido aristotélico (não incluindo o gênero lírico) .
2. Como estratégia, a teórica, que deseja estabelecer a estrutura da linguagem poética (referindo-se à da ficção e do drama), examina os critérios da linguagem não poética – a comprometida com a realidade –, ou seja, o sistema enunciador da linguagem. A noção de enunciado de realidade (e não da realidade em si, observemos) fornece o critério decisivo para a classificação dos gêneros literários.
3. O enunciado, desse sistema enunciador da linguagem, que sempre é um enunciado de realidade, é a enunciação de um sujeito-de-enunciação sobre um objeto-de-enunciação (o conteúdo). O caráter e a função do enunciado são reconhecidos pelo enfoque no sujeito-de-enunciação. Atenção: a presença desse sujeito-de-enunciação (expressão da realidade) indica que não há ali gênero narrativo ou dramático.
4. Mas a fórmula da enunciação (sujeito-de-enunciação sobre um objeto-de-enunciação) é válida para a criação lírica também. O gênero lírico seria um enunciado de realidade, portanto.

Como a atual postagem será sobre o gênero lírico, é importante atentar para alguns dados importantes:
A. Haverá a presença de um sujeito-de-enunciação sobre um objeto-de-enunciação. Haverá, como a estudiosa nomeia em suas aplicações sobre os textos, um polo-sujeito relacionado a um polo-objeto. Ou seja, um poema lírico é experimentado como o enunciado de um sujeito-de-enunciação (o tão discutido eu lírico).
B. Se o princípio estrutural do lírico é um sujeito-de-enunciação enunciando sobre um objeto (como enunciado de realidade), esse gênero não pode ser comparado com os gêneros épico e dramático (não constituídos por um sujeito-de-enunciação). Seu lugar na criação literária se situaria no sistema enunciador da linguagem.
Aceitos esses elementos como formadores do gênero lírico – enunciado de um sujeito sobre um objeto –, tal qual os outros enunciados de realidade, certas particularidades específicas desse gênero, porém, devem ser observadas:
.  Mesmo um título de poema, indicando referência objetiva, não significa que as enunciações do poema visem o objeto.
. E o seu inverso: em toda enunciação lírica, se conserva uma referência objetiva: o objeto não desaparece, mesmo não sendo mais o alvo prático da enunciação, mesmo não sendo inteligível em sua substância real. O objeto permanece ponto de referência da enunciação lírica, não por seu valor próprio, mas como núcleo para ser produzida a associação de sentidos.
. Outro dado fundamental: a enunciação, no lírico, pode se libertar do relacionamento real com o objeto, parcial ou quase totalmente, para voltar a si mesma, ao polo-sujeito. Retira-se para o que Hamburguer chama de “contexto sem compromisso de seu poema”, libertando a enunciação de qualquer obrigação para com a realidade objetiva.
. O eu lírico (o sujeito-de-enunciação) tem o poder de formar uma enunciação que não vise o objeto ou o real, mas não tem o poder de eliminar-se como sujeito autêntico, real, dessa enunciação: o sujeito tem influência sobre o polo-objeto, mas não sobre o polo-sujeito. O objeto, o possível relacionamento com o real, pode ser transformado pelo sujeito. Porém o sujeito-de-enunciação não pode ser alterado.

Experimentamos, nesse caso, o poema lírico como o campo vivencial do sujeito-de-enunciação, pois o enunciado não visa o polo-objeto, mas atrai seu objeto para a esfera vivencial do sujeito e o transforma.

Então é importante enfatizar a diferença fundamental entre os gêneros;
1. A literatura ficcional é mimese da realidade, porque não é enunciado, é configuração, é “imitação”. É mimese, porque a realidade humana é o seu material. A criação literária ficcional – e aí também a dramática – transforma a realidade em não realidade, ela inventa a “realidade”. A realidade invencionada é idêntica à não realidade, à ficção. Tal mundo fictício não é o campo da experiência do autor, do narrador ou dramaturgo, mas o mundo de seres fictícios, que agem e falam por si.
2. A transformação realizada pelo sujeito-de-enunciação lírico no objeto de sua enunciação é diferente. Ele transforma a realidade objetiva em realidade subjetiva vivencial, mas que permanece como realidade (como essa afirmativa é fundamental para o que vem a seguir, foi colocada em negrito).

A teórica em questão passa, então, em seu livro já citado, a fazer a investigação de uma série de poemas sob os aspectos apresentados a respeito do gênero lírico. A presente postagem utilizará tais aspectos, igualmente, em poemas da literatura brasileira. Foram selecionados três poemas em que o objeto-de-enunciação é muito semelhante, o que facilita a comparação e ressalta os dados examinados com mais precisão, sob a visão da teoria ora estudada.

Madrugada na roça

Luiz Guimarães Junior

Dentro da sombra matinal os campos
Riem-se ao fresco pranto da Alvorada;
Sobre a planície verde e perfumada
Voa o bando dos tardos pirilampos…

O arrieiro, inda tonto de preguiça,
Desperta apenas. Ao bulir das matas
Vêm misturar-se o eco das cascatas
E os lentos dobres da primeira missa.

Sob o véu orvalhado, os olhos dela
Brilham fitando os meus; ao divisá-los
Cuido que Deus perdeu mais de uma estrela…

Rincham, pulando os nossos dois cavalos,
E, através da manhã cheirosa e bela,
Ouve-se o canto festival dos galos!
(ESTRADA, Osório Duque. Tesouro poético brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro. São Paulo. Belo Horizonte: Livraria Francisco Alves. Paulo de Azevedo & Cia., 1926, p. 205.)


A expressão “madrugada na roça”, que é justamente o polo-objeto do poema, elemento da realidade objetiva, aparece uma única vez no título, mas há logo uma clara referência a ele na  primeira estrofe com o termo “Alvorada”. E, ao final do poema, a pessoa leitora não terá dúvida em reconhecer esse objeto, que vai, indiretamente, sendo construído por enunciações, também referidas  à realidade, ao longo das estrofes: “sombra matinal”;“Voa o bando dos tardos pirilampos…”; “tonto de preguiça”;“Desperta”;“dobres da primeira missa”; “o véu orvalhado”; ”manhã cheirosa e bela”;“o canto festival dos galos”. Tais enunciações são todas clamente identificáveis com o polo-objeto (conteúdo), elementos da realidade. Se o “pranto” da Alvorada, no segundo verso, pode criar uma certa dúvida de sentido – o que o ligaria menos ao objeto do real e mais, como associação de sentido, ao polo-sujeito –, o termo “orvalhado”, na terceira estrofe, ligado a ele, desfaz a dúvida de interpretação.
Há, então, algumas reflexões, que precisam ser feitas. A produção de Luiz Guimarães Junior – e o poema em questão – pertence ao Estilo de Época nomeado como Romantismo e caracterizado pelo subjetivismo, como se sabe. Nas duas últimas estrofes, o uso dos pronomes “meus” e “nossos” e do verbo “cuido”, na primeira pessoa, garante a presença desse sujeito. No entanto a análise superficial dos elementos utilizados pelo sujeito-de-enunciação aponta para o fato de que a relação estabelecida com seu objeto-de-enunciação, elemento do real, a forma de lidar com ele e caracterizá-lo, se dá de uma forma bastante objetiva: as referências trazidas ao texto para configurar “madrugada na roça” são todas bastante conhecidas por serem elementos da realidade e tradicionalmente ligadas, sob a experiência de quem lê, ao objeto. Não são construções privativas do sujeito-de-enunciação do poema examinado.
O único momento mais subjetivo, ou seja, mais preso ao polo-sujeito, seria a terceira estrofe, quando os olhos da amada são comparados a estrelas (saliente-se ainda aqui que tal comparação já é uma associação de sentido de domínio geral). Porém, observe-se, a amada não é o polo-objeto do texto, mas a madrugada.


Madrugada

O canto dos galos rodeia a madrugada
de altas torres de música chorosa.

O canto dos galos sobe do mundo
ajudando a separação da noite e do dia.

É melancólico levar a lua para longe do horizonte,
e destruir da noite estrelada as últimas flores.

O canto dos galos incansáveis sustenta a hora indecisa.
Somente o esplendor da montanha ofusca as vozes
[que plangiam.

Por quem plangiam essas vozes vagarosas,
no vasto lamento, simultâneas e isoladas?

Pela noite – ainda inclinada para o ocidente em sono?
ou pelo sol – que arranca a terra ao convívio das estrelas?

(MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. (Mestres da literatura brasileira e portuguesa. Rio de Janeiro. São Paulo: Record/Itay, 1983. p. 136)
 

No presente poema, o termo “madrugada” do título – polo-objeto do poema, elemento da realidade objetiva – só aparece outra única vez na primeira estrofe. Novamente, ao final do poema, quem faz a leitura não terá dúvida em reconhecer esse objeto, que, igualmente ao texto anterior, vai, indiretamente, sendo construído por enunciações ao longo das seis estrofes: “ separação da noite e do dia”; “levar a lua para longe do horizonte”; “hora indecisa” etc. Algumas dessas enunciações são bastante claras. Outras, porém, como caracteriza a própria estudiosa alemã, não formam conexão objetiva, isto é, não mantêm relação direta com o objeto, são algo diferentes do uso comum, por serem associações de sentido: “… destruir da noite estrelada as últimas flores” (grifo meu); “...ou pelo sol – que arranca a terra ao convívio das estrelas (observe-se a personificação do astro). Já podemos apontar o fato, referido pela autora, de que tais enunciações líricas não estão orientadas pelo objeto, elemento da realidade, estando presas ao polo-sujeito, são peculiares a ele.
No entanto a mesma intromissão de outro conteúdo do real do poema romântico anterior, “o canto dos galos” constitui-se, no poema de Cecília Meireles, um dado marcante a ser considerado como principal sinal, no poema da escritora, desse objeto do real “madrugada”. Se, no primeiro poema, o canto dos galos é caracterizado como um canto “festival”, comemoração do início de um novo dia, atributo geralmente aderido a esse elemento do real, ou seja, consequência natural do surgimento da “madrugada na roça”, no poema da escritora modernista, o canto dos galos passa a ser “música chorosa” – a associação de sentido evidencia uma clara mudança avaliativa por parte do sujeito-de-enunciação em relação ao do poema  romântico – e aparece como causa – a mudança também está nitidamente focada na visão do sujeito em relação a esse objeto – para o fenômeno da madrugada: “O canto dos galos sobe do mundo/ajudando a separação da noite e do dia”.
Ao contrário do poema de Luiz Guimarães Junior, em Cecília, tal intromissão traz em si um paradoxo que se caracteriza por ser um traço do gênero lírico: trazido como objeto do real para ajudar a caracterizar o enunciado “madrugada”, descaracteriza-o como elemento do real, caracteriza-o como elemento lírico, por atraí-lo do polo-objeto para a esfera do polo-sujeito, fazendo com que a conexão direta ao objeto escape imperceptivelmente.
Então, a relação objetiva do canto dos galos, que ecoa pela madrugada, desfaz-se inteiramente, em proveito de uma relação subjetiva e improvável estabelecida pelo eu lírico. Pois “O canto dos galos” - separação da noite e do dia – metamorfoseia-se em “vozes que plangiam”, em “vozes vagarosas”, em “vasto lamento”.
A primeira estrofe já introduz uma enunciação – observe-se aqui de novo o aspecto de “causa”– inteiramente estranha ao polo-objeto principal “madrugada” e, por se organizar, através de conteúdos que não se harmonizam com o objeto real, são uma visão estritamente subjetiva desse sujeito-de-enunciação em seu polo-sujeito: “… rodeia a madrugada de altas torres de música chorosa.”
Assim, volta-se à questão do sujeito-de-enunciação: embora não detectável, no poema, por formas linguísticas específicas de primeira pessoa, como no poema anterior, sua presença, ao contrário do poema romântico, tradicionalmente definido como subjetivo, domina a natureza das enunciações, as escolhas linguísticas para referir-se aos dois objetos do real - “madrugada” e “canto dos galos” – subjetivando-os por meio de um processo que atrai as enunciações do polo-objeto – por estranhas ao real – para o universo do polo-sujeito. Todo o exame anterior comprova a presença e domínio da vivência de realidade desse sujeito-de-enunciação e comprova o poema como um enunciado de realidade.

Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro: e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
                     
                                2.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã), que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
(MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas – 1940-1965. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975. )

Na criação de João Cabral, o elemento da realidade “madrugada”, dos dois textos anteriores, não aparece explicitado, mas pode ser identificado na ideia de processo sendo realizado com a forma nominal gerúndio em “tecendo” do título e do futuro em “precisará”: uma manhã é “tecida”, para usar o termo do sujeito-de-enunciação, durante a madrugada.
Outro aspecto da realidade presente no texto e que é ligado a “manhã” (madrugada) são os galos e seu canto, que agora é nomeado como “grito”. Observe-se que essa substituição (“festival” em Guimarães e "plangente" em Cecília) não é gratuita, mas valorativa também: esvazia-se todo o peso tradicional do som do galo como algo harmônico e poético – o dicionário Aulete digital define “grito” como “som agudo e estridente” – para algo contundente e que fere os ouvidos. Mais objetividade do que os outros?
De início, ao se fazer a leitura da primeira estrofe, percebe-se de imediato a supressão, por elipse, no segundo e quarto versos, do termo “lançou”. Na segunda estrofe, há um intenso jogo de palavras, por semelhança de som, como a preposição “entre” e o verbo “entrem”; o substantivo “tenda” e o verbo “entretendendo”; o substantivo “tecido” e o particípio “tecido”; uma quase aliteração através de “tela”, “todos”, “tenda”, “toldo”, “tecido”, o que cria – a par de um efeito espetacular, é verdade! – uma dificuldade na leitura, com consequente dificuldade de interpretação. Isso não é objetividade, como se discrimina a seguir.  
No poema cabralino, como em Cecília, os galos e seus gritos são novamente agentes, são eles que “tecem a manhã”, num movimento voluntário de som entre todos eles. Se, na escritora, o canto choroso dos galos separa a noite do dia, isola a madrugada com altas torres, em Cabral a construção de uma tenda, de um toldo, de um balão luminoso, se dá pelo trabalho artesanal e coletivo dos galos. A visão de ambos, plangência na primeira e tessitura de um toldo que “plana livre de armação”, sobre a madrugada ou manhã, no outro, é eminentemente  uma visão restritiva aos sujeitos-de-enunciação, que abandonando arbitrariamente as características de seu objeto-de-enunciação, exilando-se do polo-objeto, reorganizando conteúdos que não se relacionam com ele, refugiam-se em seu polo-sujeito. As “altas torres de música chorosa”, que rodeiam a madrugada, no segundo poema, equivalem aos “fios de sol de seus gritos” com que os galos tecem a manhã, no terceiro poema. Isso é a vivência de realidade desses eu líricos, é subjetividade. Não há conexão objetiva com os objetos, o que há são livres associações de sentido desses eu líricos. 
 
E esse é um dado bastante interessante sobre a poética de Cabral - e novo, eu diria!-, pois a constante conclusão a que se chega  sobre   a poética de Cabral é, por tradição, inteiramente contrária à conclusão acima estabelecida, como se vê na análise de Benedito Nunes, em seu livro João Cabral de Melo Neto. (Coleção Petas Modernos do Brasil/1, Petrópolis: Ed. Vozes/Instituto Nacional do Livro, 1971),:

Nesse sentido, o racionalismo radical que o poeta proclama está bem de acordo com o tom impessoal de sua linguagem. Vem precisamente disso o que há nele de clássico, tomando-se a palavra como designativo do estilo de pensamento ou da atitude criadora que não se fundamenta na individualidade feita valor supremo. (grifo do autor. p. 18)


O estudo dos poemas “Tecendo a manhã”, que faz parte do livro Educação pela pedra, considerado uma poética racional e objetiva, e “Madrugada na roça”, do romântico Luiz Guimarães Junior – subjetividade em um; relativa objetividade, em outro –, sob o prisma da análise lógica de Käte Hamburguer sobre o gênero lírico, evidenciou aspectos desses dois poetas bastante diferentes dos repetidos de forma tradicional, o que revela possibilidades inimaginadas e perspectivas desconhecidas para o aprofundamento do estudo literário. 


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sábado, 17 de setembro de 2016

Houve uma ausência prolongada, mas isso se deve apenas ao fato de que está sendo preparada uma postagem em breve sobre o gênero lírico, ainda sob a visão de Käte Hamburguer. Aguardem. Até breve.

sábado, 12 de março de 2016

Parte III - Os fenômenos fundamentais da Criação Literária

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - Rio de Janeiro)


Resumo das postagens anteriores sobre o pensamento de Käte Hamburguer:


1. ENUNCIADO DE REALIDADE: A presença de um sujeito-de-enunciação caracteriza um enunciado de realidade. Não é o conteúdo de realidade que marca tal enunciado. Mesmo que se identifiquem elementos “invencionados” ali, fantasiados, isso não descaracteriza a realidade, porque o sujeito-de-enunciação é sempre real.





2. TEXTO FICCIONAL: É a presença de personagens em suas ações, em suas próprias falas – a mimese aristotélica –, que indica o texto ficcional. O narrado deixa de estar no campo da experiência ou de vivência do sujeito-de-enunciação e passa para o campo da vivência de personagens.


3. Há aspectos linguísticos – nomeados “sintomas” pela escritora –, que são identificados por ela e que estabelecem, então, a “lógica” da criação literária – tese do livro estudado –, os quais, dependendo de sua natureza, tanto mostram o enunciado de realidade (a não ficção), como o contrário, o texto ficcional.



Nesta postagem, serão mostrados os elementos que Käte Hamburguer aponta para identificar um sujeito-de-enunciação e seu enunciado de realidade X o texto de ficção, o que realmente interessa ao leitor. Tal estudo foi direcionado aqui para textos de Literatura Brasileira (ALMEIDA, Manuel Antônio. Memórias de um sargento de milícias. Ed. Crítica de Cecília de Lara. Rio de Janeiro:livros Técnicos e Científicos, 1978. p. 5) (biblioteca Universitária de literatura brasileira: Série C, ficção, romance e conto; v. 2), acessíveis, portanto, a todos os leitores brasileiros.



Texto 1


Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo – O canto dos meirinhos –; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamavam o processo.

Daí sua influência moral. (pág. 6)


Inicialmente, observemos o dado curioso de que este recorte de romance apresenta a mesma estrutura linguístico-lógica que o trecho da biografia do escultor Michelangelo Buonarroti, por exemplo. É construído de tal modo que poderia ser proveniente de um relato histórico. Se nos fosse apresentado esse segmento, desligado do romance, compreenderíamos aquele local retratado como o campo de experiência do sujeito relator, podendo ser esse considerado um sujeito-de-enunciação teórico, como no caso da biografia de Michelangelo Buonarroti. Havendo no texto acima um sujeito-de-enunciação, estamos no caso de um enunciado de realidade e não de um texto de ficção, segundo a autora em questão.

Se lermos, porém, esse trecho, sabendo que é o começo de um romance, supomos que a paisagem não faz parte do campo de experiência desse e passa a ser cenário de outras figuras – as personagens fictícias, as figuras de romance –, cuja entrada em cena aguardamos.

Mas o problema não é tão simples assim. Na verdade, enfim, esse trecho, apesar de fazer parte de um romance, segundo os critérios da teórica, configura-se, sim, como um enunciado de realidade. Comecemos observando o dêitico “aí” (linha 3), que marca uma localização no espaço em oposição a um hipotético “aqui”, não escrito, mas local de onde fala o sujeito enunciador e que não se refere a personagens que surgirão, mas a ele mesmo.

Examinemos também os tempos verbais – presentes (“formam”, “são”) e pretéritos (“chamava”, “assentava”, “eram” etc) – e as expressões temporais “nesse tempo”, “de hoje”, “então”, “do tempo do rei”: fica bastante claro que as formas temporais estão fixadas em relação à experiência do sujeito-de-enunciação: observe-se a localização precisa da esquina de “hoje” – tempo atual desse sujeito e sua importância relativamente à lembrança dele ao que era no passado. O uso das relações temporais está preso, estritamente, ao conceito descrito nas gramáticas: pretérito, presente e passado são tempos estabelecidos por um sujeito. Faz parte de um enunciado de realidade, portanto, mesmo que a pessoa leitora já saiba que entrarão, adiante, as personagens de uma ficção.



Texto II

Mas voltemos à esquina.

......................................................................................................................

Entre os termos que formavam essa equação meirinhal pregada na esquina havia uma quantidade constante, era o Leonardo-Pataca.

......................................................................................................................

Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o que, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. (Mesmo romance, ainda pág. 6)

No trecho, há muitos detalhes a serem observados. Várias expressões ainda denunciam a presença daquele mesmo sujeito-de-enunciação acima: “como dissemos”, “não sei fazer o que”, além do advérbio “aqui” (X Lisboa), que demonstra, ainda sem sombra de dúvidas, o local de onde se posiciona o sujeito narrador. A presença desse sujeito, segundo o conceito expresso da estudiosa alemã, ainda denuncia um enunciado de realidade, mesmo com fortes indícios da presença do “invencionado”, do “fingido”. Seguindo a conceituação aristotélica, a mimese ficcional só se apresenta como tal, quando a personagem age, pensa, fala. Ainda não seria o caso.

Mas a atenção de quem lê já dispara, pois não se pode deixar de observar o significado dos verbos “aborrecera-se” (l.7) e “fingiu”, que são os chamados verbos de processos internos, processos esses que uma pessoa de fora não tem conhecimento sobre outra pessoa em um contdo de realidade, mas somente em narrativas ficcionais. Esse é um “sintoma” ou aspecto linguístico-semântico marcante, quanto à ficção, que faz parte do que a teórica vem nomeando como “lógica” literária.

Outro detalhe a ser anotado é o emprego dos verbos situacionais. Käte Hamburguer chama a atenção para o fato de que, em um enunciado de realidade, transcorrido no passado autêntico, tais verbos, do tipo “sorrir”, “andar”, “deitar”, ou seja, de significado extremamente momentâneo, são impossíveis de serem usados. Eles não cabem em situações passadas reais. Registremos as ações situacionais em “assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito”; “sorriu-se como envergonhada...”; “deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão...”. Só a narrativa ficcional, como se vê, prevê e permite o uso largo de tais verbos. Diz lá a autora:




Em asserções sobre situações reais empregamos tais verbos de situação no imperfeito somente com referência a situações temporais próximas, porque designam uma situação concreta, ainda visualizável e lembrada pelo enunciador. (p. 67)


Já se pode perceber, desse modo, que os verbos no passado listados nos dois casos deixam de ser tempos gramaticais, pois não têm mais uma ligação específica com o sujeito de enunciação, perdendo sua função e capacidade marcadora do passado, para serem apenas recursos ficcionais. Têm ligação com as personagens. O enunciado de realidade passa a dar lugar ao texto narrativo ficcional. Os aspectos temporais deixam de ser os gramaticais – reais, autênticos –, ao se esvaziarem do campo da vivência do sujeito-de-enunciação, porque a narrativa entra no campo da experiência das personagens épicas, que fazem a literatura narrativa.

Transcrevamos alguns trechos das próprias palavras da estudiosa em seu citado livro:

Pois não tinha sido posto em discussão que o pretérito possa deixar de ser, em algum lugar qualquer da manifestação verbal, a expressão de acontecimentos passados. (p.46)



A mudança de significação, porém, consiste em que o pretérito perde a sua função gramatical, que é a de designar o passado. (em itálico no livro, p. 46)



Pois é somente a entrada em cena, ou seja, a expectativa da entrada da eu-origo fictícia dos personagens do romance, a razão para o desaparecimento da eu-origo real e concomitantemente, em consequência lógica, para a destituição pelo pretérito da sua função de passado. (eu-origo é um termo pelo qual a autora substitui, agumas vezes, sujeito-de-enunciação ou sujeito/personagem por questões epistemológicas. p. 53)



(…) o que significa do ponto de vista da Teoria Literária a noção de personagem fictício e por que é apenas a sua entrada em cena que dá à narração o caráter de não-realidade, tirando, consequentemente, ao imperfeito o seu significado de passado. (p. 53)



Pois nenhum texto pode esclarecer mais nitidamente que com este imperfeito desaparece a eu-origo do narrador, retira-se da narração, dando lugar às eu-origines fictícias dos personagens.


A expressão “não era nesse tempo de sua mocidade” não marca um tempo em relação ao presente do sujeito-de-enunciação, porém em relação ao próprio tempo da narrativa de Leonardo-Pataca, personagem que já começa a surgir como ser agente, quando a mimese aristotélica começa a ser introduzida. Na mocidade, ou já na velhice, muitos anos depois, Leonardo-Pataca continua a ser narrado no passado, que mostra assim o enriquecimento ficcional conseguido com esse tempo épico, em detrimento de sua temporalidade gramatical. 
 

Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Segui-se a morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui ponto final. (Memórias de um sargento de milícias. p. 209)


Alguns dados acima, secundados pela teoria da escritora alemã, devem ser destacados e resumidos:



1. Um enunciado de realidade é comandado por um sujeito-de-enunciação, que é sempre real. Um “aqui” espacial real – lugar de onde esse sujeito enuncia – e verbos com seus aspectos temporais também reais, por acontecerem em relação a um “sujeito que fala”, como conceituam as gramaticas, são exemplos linguísticos desse sujeito-de-enunciação. Quando surge um pretérito, o tempo é realmente pretérito. 

 

2. Há uma lógica da criação literária, da ficção, que é construída – e identificada, posteriormente, – por aspectos línguísticos, além da presença de personagens que agem e falam por si mesmos:

a. verbos situacionais e de processos internos – impossíveis de serem usados em enunciados reais – que surgem na narrativa.

b. verbos que estruturalmente estão no pretérito, mas são vazios de sua intencionalidade temporal. São mecanismos narrativos. Fazem parte do processo mimético aristotélico, ou seja, realizam-se na presença das personagens que agem e falam.

O estudo superficial feito aqui sobre toda a conceituação da “lógica” literária, feita por Käte Hamburger, não substitui o mergulho em seu livro. A intenção é apenas aguçar a curiosidade da/do visitante e incentivá-la (lo) a estudos mais aprofundados, para enriquecimento da pessoa leitora, chegando-se até à possibilidade de questionamentos ou refutação dos argumentos e conclusões da teórica. Possivelmente farei, em uma outra ocasião, um estudo sobre suas concepções sobre a narrativa em primeira pessoa, interessantes e inovadoras, sobre as quais tenho claras discordâncias. 

 

Gostaria de receber comentários dos visitantes. Saber quem são e os motivos que os trouxeram aqui. Como não posso atender a esclarecimentos pessoais pelo blogue, peço que estudantes de Letras, que desejarem, postem seus e-mails, que não serão, claro, publicados.


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quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Parte II - Os fenômenos fundamentais da Criação Literária

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - Rio de Janeiro)


Hoje vou fazer a segunda postagem sobre a teoria de Käte Hamburger, a estudiosa alemã sobre a qual se falou anteriormente. Serão colocados aqui alguns pontos fundamentais anteriores, embora resumidos, para que a/o visitante consiga acompanhar o que vem pela frente.

1. Ela segue o caminho da “lógica” da criação literária, em detrimento da busca estética. Esse encontro da “lógica” se dá, essencialmente, por aspectos linguísticos.
2. Na busca dessa lógica, focalizará a tensão conceitual entre “criação literária” (apenas como literatura narrativa e dramática) e “realidade” (“realidade” em seu sentido de confronto ou relação com a ficção).
3. Ela segue, ainda, o pensamento aristotélico da mimesis (como sinônimo de poiesis) como ficção em que a personagem surge no texto através de suas próprias ações e de sua voz.
4. Propõe que se estude e estabeleça a linguagem da criação literária justamente pela diferença com a linguagem da realidade.
5. Para isso, vai pelo caminho inverso: examina os critérios da linguagem não poética, ou seja, da linguagem comprometida com a realidade, o sistema enunciador da linguagem, do enunciado de realidade.

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Faremos, então, a partir daqui um estudo do enunciado de realidade - “ toda enunciação é uma expressão da realidade”, disse a escritora –, usando para isso textos publicados aqui no Brasil, para maior entendimento da pessoa leitora brasileira e porque, em síntese, é a nossa cultura que nos interessa, afinal. Para tal, no entanto, é necessário que se entre antes em contato com certos conceitos estabelecidos pela estudiosa.

Enunciado

O enunciado, que sempre é um enunciado de realidade, é a enunciação de um sujeito-de-enunciação sobre um objeto-de-enunciação (o conteúdo). O caráter e a função do enunciado são reconhecidos pelo enfoque no sujeito-de-enunciação.

Enunciação

Apresenta-se como a estrutura sujeito/objeto da língua. No enunciado “eu enuncio algo” (enunciação em si): o enunciado é a enunciação de um sujeito (eu) sobre o objeto (algo). A fórmula de enunciação, segundo a filósofa alemã, não é válida para a criação do gênero narrativo, o que é um dado extremamente relevante como diferencial para se conhecer o genêro narrativo. Mas ela é válida em todo o domínio restante da linguagem. A estudiosa também reconhece a validez da fórmula da enunciação para a criação lírica. Como afirma que toda enunciação é uma expressão da realidade e fundamento para determinar a diferença “realidade” X “criação literária”, já podemos inferir que Käte, então, aparta o gênero lírico da criação literária e o aproxima da realidade.

Guardemos esses dois dados:
1. A presença da fórmula de enunciação (expressão da realidade) indica que não há ali gênero narrativo.
2. Há validez da fórmula da enunciação (expressão da realidade) para a criação lírica também. O gênero lírico estaria próximo da realidade e longe da criação literária.


Objeto-de-enunciação

O objeto é o conteúdo da enunciação em qualquer modalidade proposicional (enunciativa/declarativa; exclamativa; interrogativa etc).


Sujeito-de-enunciação:

Não confundi-lo com o eu-emissor da comunicação que se opõe a um “tu-receptor”, fora do texto (eu-emissor/tu-receptor). O sujeito-de-enunciação sempre enuncia exclusivamente em relação a seu objeto-de-enunciação (sujeito/objeto). O sujeito-de-enunciação é o elemento estrutural da estrutura da linguagem. A análise do sujeito-de-enunciação converte o enorme campo temático-material dos enunciados em um sistema de três categorias:
a. sujeito histórico – definido, individual. ex.: presente em uma carta.
b. sujeito teórico: geral, interindividual. ex.: responsávelpor uma sentença matemática, texto científico ou lógico; texto teórico, enfim.
c.sujeito pragmático: quer algo referente ao objeto-de-enunciação. ex.: pergunta, ordem, pedido.
Examinemos o texto abaixo, retirado de Michelangelo, da Coleção “Mestres da pintura”, da Abril Cultural, 1 ed, 1977, página 6, e que é identificado, no final do livro como de José Arrabal Fernandes Filho, responsável também pela pesquisa.

Nos seus 89 anos de vivência no mundo das artes e no universo social europeu, Michelangelo ascendeu a uma estatura jamais alcançada anteriormente por qualquer outro artista. Viveu um tempo de gênios e de obras grandiosas, numa época de grandes transformações nas mentalidades, na economia e na política.

Objeto-de-enunciação: biografia do escultor Michelangelo Buonarroti.

Sujeito-de-enunciação: um biógrafo (sabe-se depois), que pesquisa e escreve o texto, por encomenda da Coleção “Mestres da pintura”. É um sujeito-de-enunciação geral, interindividual. Está de tal modo indefinido, que seu nome nem aparece encabeçando o texto e só ao final da publicação, por uma questão legal, provavelmente, é citado. Tal sujeito-de-enunciação teórico, entretanto, apesar dessa busca pela objetividade textual, por seu apagamento, também é um sujeito real.

Começamos a reconhecer que esse é um enunciado de realidade. Mas, conforme nos ensina a teórica, não é a realidade do objeto o que dá a esse enunciado seu caráter de realidade, senão a do sujeito-de-enunciação, sujeito identificado como real.
Nesse caso, como é um enunciado e de realidade, com um sujeito-de-enunciação real, já podemos afirmar, com Käte Hamburguer, que não é um texto de criação literária.

Para enfatizar e esclarecer isso melhor, fazendo um paralelo com o que diz a estudiosa, devemos nos reportar ao filme documentário “Cinco vezes Chico – o velho e sua gente”, recentemente lançado, em que vários pescadores, seguindo o ritual da “mentira”, fazem relatos flagrantemente imaginativos e grandiosos, para delícia dos espectadores. Pois bem, esses relatos, ao contrário do texto lido acima, embora tenha objetos-de-enunciação invencionados, termo da própria escritora, são enunciados de realidade, porque seus sujeitos-de-enunciação são reais, eles são o fator decisivo. Como a escritora afirma na página 30:

A enunciação sempre é real, porque o sujeito-de-enunciação é real, porque, com outras palavras, uma enunciação somente pode ser constituída por um sujeito-de-enunciação real, autêntico.

É somente com o esclarecimento da noção de realidade concernente ao sujeito-de-enunciação que se pode iluminar a estrutura do enunciado de realidade (…).

Então, invencionado ou real, não é o objeto o marcador do enunciado, mas o sujeito-de-enunciação.

No prefácio de Manuel Bandeira a Cartas a Manuel Bandeira, de Mário de Andrade, provavelmente livro póstumo, da Ediouro, Coleção Prestígio (sem indicação de data ou edição), diz o poeta:

Tive com Mário de Andrade uma correspondência epistolar que se iniciou em 1922 e se prolongou sem interrupção até a sua morte. Mário escreveu milhares de cartas. Nunca deixou carta sem resposta. Creio, no entanto, que as de nossa correspondência têm importância especial, porque comigo ele se abria em toda a confiança, de sorte que estas cartas valem por um retrato de corpo inteiro, absolutamente fiel. (p. 13)


Aqui também temos um enunciado de realidade, cujo objeto-de-enunciação são as cartas do escritor modernista Mário de Andrade e um pouco de sua personalidade. Mas, continuemos a entender que, o que faz esse compromisso com a realidade, é a enunciação de um sujeito real, aqui classificável como sujeito histórico, porque definido, individual. Notemos a presença dos verbos e pronomes de primeira pessoa, ali, personalíssimos. Como diz Käte Hamburger, na página 34: “o que foi enunciado é o campo da experiência ou de vivência do sujeito-de-enunciação.”

A próxima postagem irá analisar, finalmente, textos narrativos, ficcionais. Confrontando-os com os argumentos caracterizadores do enunciado (de realidade), ressaltar e definir a “lógica” da criação literária.


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