Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - Rio de Janeiro)
Conforme
anunciei, vou começar a postar alguns comentários sobre a teoria de
Käte Hamburger (1896/1992), filóloga, filósofa e teórica
literária alemã – primeira mulher a ganhar um grau de
pós-doutorado em estudos literários alemães –, desenvolvida no
livro A lógica da criação literária,
2.ed, de 2013, da Editora Perspectiva. Minha tentativa será
exemplificar com escritores da Literatura Brasileira, para maior
entendimento e aproveitamento. Para
maiores informações sobre a estudiosa, remeto ao link (Atenção: este link pode levar a um site com cookie./Please: this link can lead to a site with cookie).
A lógica da Arte Literária tem por objeto a relação da obra com a linguagem , mas relação diferente daquela compreendida pelas teorias acima [a Lógica, a Filosofia, a Teoria do pensamento etc]. Não considera a linguagem em sua função descritiva e expressiva nem por conseguinte o fato mais ou menos trivial de que a Literatura é a arte da linguagem no sentido verbal. É antes desenvolvida a partir da circunstância de que a linguagem como material configurativo da criação literária é ao mesmo tempo o veículo através do qual se realiza a vida humana propriamente dita. (VIII)
Mas, conforme já o estabelecemos como um problema na introdução, é de fato o material linguístico da criação literária que estabelece finalmente o conceito de realidade e ficção e, através disso, o conceito e o sistema da criação literária em si. (p. 6)
Para
conhecer os critérios da linguagem poética, a autora reconhece uma
“lógica da criação literária” e opta pelo estudo desse
caminho, visitando, indiretamente, uma lógica da poiesis
aristotélica, destacando-a da
estética da Arte Literária, diferentemente do que sói acontecer
com os teóricos dessa área. Vale
a pena ler seus trechos abaixo.
A lógica da Arte Literária tem por objeto a relação da obra com a linguagem , mas relação diferente daquela compreendida pelas teorias acima [a Lógica, a Filosofia, a Teoria do pensamento etc]. Não considera a linguagem em sua função descritiva e expressiva nem por conseguinte o fato mais ou menos trivial de que a Literatura é a arte da linguagem no sentido verbal. É antes desenvolvida a partir da circunstância de que a linguagem como material configurativo da criação literária é ao mesmo tempo o veículo através do qual se realiza a vida humana propriamente dita. (VIII)
A
lógica ou lógica linguística da criação literária (…) pode
ser designada com maior precisão como teoria
da linguagem,
que tem por objetivo examinar se e até que ponto a linguagem que
produz as formas literárias (afirmação que por ora aceitamos) é
funcionalmente
diferente da linguagem usual de pensamento e de comunicação. (VIII)
A
lógica literária deve ser compreendida, portanto, no sentido de
teoria
linguística,
sendo que esta teoria linguística será desenvolvida a seguir como
teoria do enunciado (...)(IX).
Esse
afastamento que Käte faz da “estética”, optando pelo
estudo da estrutura
“lógica”, da
regularidade da
criação literária, fica claro quando a autora mostra que as leis
lógicas de tal criação são absolutas, ou seja, a
linguagem origina literatura tanto
numa
obra como O Otelo,
de Shakespeare,
como
num conto ruim, por exemplo, sem se prender ao sentido estético. As
leis lógicas são objeto do conhecimento e desconhecem a noção de
positivo ou negativo. Nisso se afastam das leis estéticas, que, ao
contrário, são relativas. São conceitos de valor.
O
tema fundamental da “lógica” estudada pela teórica alemã é a
tensão conceitual entre “criação literária” e “realidade”,
que sempre serviu de base às considerações da Teoria Literária. A
novidade é que, no livro em questão, “realidade” aparecerá
apenas em seu sentido de confronto ou relação com a ficção: de
um lado, o modo da realidade da vida humana e, de outro, o modo
criado e representado pela Literatura, o “conteúdo” das obras
literárias.
Começa
aqui um dado interessante do texto em questão: Käte Hamburger,
inicialmente, chama a atenção para o fato de que essa tensão
“criação literária X “realidade” aponta na direção da
literatura narrativa (romance, conto etc) e dramática (teatro), não
incluindo o gênero lírico. A justificativa está no estudo de
Aristóteles, a sua Poética. Ao contrário do que modernamente
se entende, para o filósofo grego, o gênero lírico, a que
costumamos chamar de “poesia”, não pertenceria à poieses,
mas a outro domínio das obras literárias.
O
argumento está em que Aristóteles usava, com identidade de sentido,
os termos poiesis
e mimeses,
uso idêntico, segundo a autora, na obra de Auerbach, Mimesis.
Para o grego, a palavra mimesis
não significaria apenas “imitação” da realidade, mas a
introdução de personagens com seus caracteres, paixões e ações:
o escritor deveria falar o menos possível e dar voz livre às
personagens, que assumiriam, por si mesmas, suas falas. Isso seria
mimesis:
o autor narraria
de maneira mimética, quando os
deixasse
falar por si.
Como
já se antecipa, o gênero lírico não se utiliza de personagens e
que falam prioritariamente por si. A natureza de tal gênero, segundo
ela, seria bem outra.
Então
já se deve registrar aqui uma primeira conclusão: uma forma
literária – literatura ficcional ou mimética, entenda-se –, que
faz agentes que falam por si, ou seja, seres fictícios vivendo no
modo da mimesis
e
não da realidade (diferentemente da “lírica”), está no sistema
global da Arte Literária. Essa diferença entre narrativa-drama X
lírica tem significado para a estrutura lógica do sistema
literário.
Como
se disse a princípio, a estudiosa alemã escolhe estabelecer os
critérios da linguagem poética:
Mas, conforme já o estabelecemos como um problema na introdução, é de fato o material linguístico da criação literária que estabelece finalmente o conceito de realidade e ficção e, através disso, o conceito e o sistema da criação literária em si. (p. 6)
Käte
propõe que se estude e estabeleça a diferença entre a linguagem da
criação literária e a linguagem da realidade para que surja a
estrutura que denunciará de que maneira a ficção se distingue da
realidade. É aí que se estabelece a tensão conceitual entre
criação literária e realidade. Isso propicia tanto a iluminação
da fenomenologia da criação literária quanto a da própria
realidade.
Então,
há um dado a que se deve prestar uma atenção fundamental neste
momento e daqui para a frente: como a teórica deseja estabelecer a
estrutura da linguagem poética – entendida, veja bem, como da
ficção e do drama – começa a examinar
os critérios da linguagem não poética – da linguagem
comprometida com a realidade –,
ou seja, o sistema
enunciador da linguagem,
conforme declara na página 22:
… toda
enunciação é uma expressão da realidade, obtendo-se um fundamento
para determinar exatamente a relação da linguagem, e, com ela, da
criação literária, com a realidade.
Acrescenta
adiante “que não é a noção de realidade em si, mas a do
enunciado
de realidade que
fornece o critério decisivo para a classificação dos gêneros
literários. (p. 29 – grifo meu).
Em
nossa próxima postagem, fixaremos algumas noções, como a de
enunciado, a de enunciação, a de sujeito-de-enunciação e de
objeto-de-enunciação, todas referentes a esse primeiro conceito de
realidade.
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os trouxeram aqui. Como não posso atender a esclarecimentos pessoais pelo blogue, peço que estudantes de Letras, que desejarem, postem seus e-mails, que não serão, claro, publicados.
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