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domingo, 28 de agosto de 2011

A delicada lira de um Gonzaga, o poeta de Lavínia

Eliane F.C.Lima

O poeta e professor Luiz Gonzaga da Silva me foi apresentado por outra poeta, Francisca Júlia, morta em 1920, por cujo nome ele procurava em pesquisa na Internet. Chegou a este blogue e encontrou a postagem que fiz sobre ela em 05-01-2010. Contatou-me e nasceu uma correspondência e admiração de minha parte por sua produção poética, que ele fez a gentileza de me enviar e autorizar para a presente publicação.
O professor Luiz Gonzaga da Silva é Mestre em Letras pelo CESJF e Professor Titular de Literatura Brasileira e História da Arte nos Cursos de Letras e de História da FAFISM, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santa Marcelina, de Muriaé, em Minas Gerais, onde reside há muitos anos. A par de seus poemas, há também uma produção acadêmica pela qual é responsável.
Tive de fazer uma difícil seleção entre seus poemas dedicados à cidade natal, Guarani, produzidos pelo olhar saudoso de um adulto para sua infância e juventude, publicados em três livros abaixo relacionados. Neles, se destacam os lugares sacralizados pela memória dessa cidade, por onde caminhamos através de sua linguagem lírica. A recuperação desses locais pela imaginação poética faz o leitor, então, se envolver em um caminho mágico, porque mnemônico, longe da realidade, que nunca é o objetivo daquele que busca seu lugar idealizado. Que importa a pequenez da realidade diante da grandeza do sonho?
E todos esses cantos estão povoados pelas personagens que viveram e falaram e coloriram, transitoriamente, mas para sempre na lembrança daquele que revive, um lugar e um tempo do passado, mas eterno no presente.
É bom ser citada a linguagem especial para construir esse ambiente relembrativo, que me trouxe de volta Manuel Bandeira, outro poeta, sua palavra sabiamente lírica, porque simples, ambos atingindo o preciso e o poético, justamente por acharem o valor exato na fuga ao preciosismo.
Quero chamar a atenção, antes de irmos para os poemas, que tentei manter, o mais próximo que pude, a diagramação dos poemas nas obras, o que nem sempre foi possível, limitada que estou pela fixidez dos recursos do blogue. Tive de abrir mão de dois poemas magníficos por este motivo.

(Des) pedaços

Luiz Gonzaga da Silva

Fico a procurar
pedaços de mim,
pelas ruas
da cidade amada,
onde andei.

(Encontro-me aqui e ali
e os junto com amor
costurando-os com
a linha da saudade.)

Frankenstein de hoje,
vejo, ao final,
ter alivanhado
só pedaços do que fui.
Choro sem saber por que.
E me desfaço, novamente,
nos pedaços que juntei,
atirando-os ao fundo do Pomba,
que os levará

quem sabe? –

ao mar sem fim
sem lembranças
ao mar, ao grande mar...

(2003)



A pracinha, às 20 h

Luiz Gonzaga da Silva

Uma que outra luz
invade o escuro aconchegante
da pracinha.

Não há ninguém por lá.
As casas enfurnam
pessoas e novelas.
O coreto – iluminado –
está lá, perplexo,
– vazio –
parece um útero inútil,
sem serventia.

Há silêncio e estranhas sombras
à volta dele.
Nem um carrinho de pipoca
nem um grito de criança
apenas uma placidez inconfortável
de imobilidade estática...
(E a noite. A noite. A noite.)
(2003)


Cansaço de Chronos

Luiz Gonzaga da Silva

Neste frio mês de julho,
cá no bar do Zanovelli,
tomando uma cervejinha,
sinto o tempo decrescendo,
como um velho, com chinelos.

Até as nuvens do céu,
aqui, neste Guarani,
são lerdas, por sob o azul.

Será que o tempo parou?
Ou o céu que descorou?
Será que o vento cansou?
Ou o sol, que desmarelou?
Ou foi Deus que bocejou?


Vejo, observo, sinto
haver um cansaço em tudo.


Me recolho, quase mudo,
neste silêncio felpudo,
de miúdas lembranças
que o tempo, já tartamudo,
aprofundou
dentro de mim.
(2006)


As cartas não mentem, jamais!...

Luiz Gonzaga da Silva

A Maria da Sá Zinha
punha cartas.
Lia a vida da gente,
sobre muletas,
altiva.

(Quanta gente
saiu de lá, capenga,
quase a rolar,
escorregando,
no

Morro
das
Pedrinhas... )
(2008)


Mas nosso poeta, introduzido, talvez pelo destino do nome Gonzaga, que o levou ao Tomás Antônio, do século XVIII, arcádico, e à sua Marília de Dirceu, dedica seus poemas a uma Lavínia, que lhe frequenta a imaginação poética. Aqui a linguagem, de uma delicadeza amorosa, alcança a mesma precisão dos poetas daquele tempo, cansados do requinte e volteios do Barroco. Fazer uma seleção foi quase uma dolorosa e impossível escolha, porque flutua o encanto de uma voz enamorada, enamoradoradamente tomado também o leitor. De forma bastante subjetiva, me encantei com os textos.

Chegança

Luiz Gonzaga da Silva

Reparaste, Lavínia,
reparaste a tarde?
Tão cinzenta,
Lavínia,
tão cinzenta...

(De repente,
o sol.)

Sabes bem
a hora de chegar...
(2007)


Gosto de domingo

Luiz Gonzaga da Silva

Tens gosto
tão gostoso
de domingo,
Lavínia!

Me deixa
Lavínia,
me deixa
descansar-me
em ti.
(2007)


Compra

Luiz Gonzaga da Silva

Lavínia,
tesouro meu,
moedinha minha,

te tento comprar
com a poesia.

Concordas?

Me sinto feliz.
(2007)


Possessão

Luiz Gonzaga da Silva

A tua dimensão,
Lavínia,
é azul.
És assim
como uma rosa-dos-ventos
desfolhada.
Sul-oeste,
norte-leste
do céu
em minha vida.

Direções totais em ti,
Lavínia.
Me perco em ti,
Lavínia,
e te possuo
em cada ponto
cardeal.
(2007)

Como o visitante percebe, a poeta Francisca Júlia nos abençoou, lá onde está. Aguardo outros poemas que estão sendo escritos, promessa feita a mim por Luiz Gonzaga da Silva, que, sem o menor pejo, evidentemente, cobrarei.

Obras literárias

Poemas

Idas e vindas. Muriaé: 1. Gonzaga da Silva, 2003;
Idas e vindas II: um olhar sobre a cidade amada. Muriaé: Vanguarda Gráfica, 2006;
O livro de Lavínia. Muriaé/Juiz de Fora: Templo, 2007;
Nem idas nem voltas: desvoltas. Muriaé/Juiz de Fora: Templo,2008.

Poemas para crianças
Criancices; poemas infantis. Muriaé/Juiz de Fora: Templo, 2008/2009;
Chinfrim:versinhos de brinquedo. Muriaé: Do autor, 2011.

Convido quem me visita a ir a meus outros dois blogues Poema Vivo (link)
e Conto-gotas (link).


domingo, 7 de agosto de 2011

"Brasil feminino"

Eliane F.C.Lima

Fui visitar a exposição “Brasil Feminino”, na Biblioteca Nacional, que continua a comemorar seu aniversário de 200 anos de criação e 100 no prédio da Avenida Rio Branco. A exposição, cujos responsáveis declaram não ter intenção sexista, é bastante interessante, porque focaliza a ascensão das mulheres em todos os setores, passando por Menininha do Gantois a Dilma Roussef, analisando as circunstâncias das mulheres desde os séculos anteriores ao XXI.
Mas não se deixa de manter a posição crítica, no encaminhamento, ao serem exibidos jornais de época como, por exemplo, o assassinato da jovem Aída Curi, que morreu por despencar do alto de um edifício de luxo, onde subira, atraída por dois jovens bem colocados na vida, violência que não perdeu sua força e que continua a ser uma constante até hoje.
A exposição utiliza, como mecanismo de comunicação com o público e comprovação dos fatos, jornais, revistas e toda e qualquer publicação de época. A diversidade do que é exposto é bem atraente para o visitante.
O que me chamou bastante a atenção, no entanto, foram vários estandartes, dispostos como uma cortina a separar dois ambientes, onde ditos e quadrinhas populares, transcrições de trechos de artigos de livros de séculos anteriores, que, de uma forma resumida, mas contundente, dão testemunho do pensamento dominante, no passado, a respeito das mulheres, suas funções e direitos, pensamento que, como se vê sobre o número atualmente crescente de acontecimentos violentos em relação a elas, parece não ter mudado tanto assim.
Em várias dessas transcrições, pude observar a constante de se enunciar que a educação feminina era um fator em que se deveria colocar bastante cuidado. Às mulheres deveriam ser ensinadas, exclusivamente, noções que as tornassem competentes como donas de casa e mães. E o que me pareceu mais claro: a educação redentora, aquela que leva as pessoas a se tornarem críticas, com capacidade analítica deveria ser evitada para essa parcela da população, a todo custo, como um mal corruptor. Uma das frases populares dizia algo mais ou menos assim: “Não confie em mula que faz 'hiiimmm', nem em mulher que fala latim.” Claro que a equiparação da mulher ao explorado e “desimportante” animal não é por acaso e que a expressão “latim” aparece ali, tão somente, como sinônimo de cultura e erudição, traduzindo uma mulher que fosse capaz de se expressar com profundidade, perceber o tipo de vida a que era condenada e, finalmente, defender-se, o que a tornaria não confiável. Isso desestabilizaria uma cultura patriarcal, cujo principal sustentáculo era a opressão dos outros segmentos.
Saí da exposição com a certeza de que a educação é redentora, certeza que eu já tinha, revigorada. A cultura popular lá dentro, ao temer o crescimento das mulheres sob essa batuta, mostra que é sábia.

Já estou postando também em Poema Vivo (link) e Conto-gotas (link).


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