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domingo, 3 de julho de 2011

Arriete Vilela - a poesia do irrevelado












Eliane F.C.Lima

“Pedem-me notícias de mim./Eu as dou assim:/em versos/que me desmentem.” Essa é a estrofe final do “Poema 13”, da escritora alagoana Arriete Vilela, que teve sua obra analisada em Transparências da memória / Estórias de opressão, estudo da professora Angélica Soares (UFRJ), junto a outras escritoras, pelo conteúdo de seus textos e, ainda, por seu talento poético, o que o leitor deste blogue comprovará a seguir.
Professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, onde trabalhou com a autoria feminina na Literatura Brasileira, foi eleita para a Academia Alagoana de Letras em 1996. Sua obra recebeu inúmeros prêmios, por lhe reconheceram a importância, como o da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2002.
Atualmente edita o blogue “A poesia nas entrelinhas da vida” (link), de onde foi copiada a foto que ilustra a postagem.

Obras (poesia e ficção):
Eu, em versos e prosa (1970), 15 poemas de Arriete (1974), Recados (1978), Para além do avesso da corda (1980), Pequena história da meninice e outras estórias (1981), Remate (1983), Fantasia e avesso (1986), Farpa (1988), A rede do anjo (1992), Dos destroços, o resgate (1994), O ócio dos anjos ignorados (1995), Tardios afetos (1994), Vadios afetos (1999), Grande baú, a infância (2003), Frêmitos (2003), A Palavra sem Âncora (2005), Lãs ao vento (2005), Ávidas paixões, áridos amores (2007), Obra poética reunida (2009).

Poema 13

Arriete Vilela

Pedem-me notícias de mim.
Eu as dou assim:
em versos.

Há tempos não permitia que pedras
rolassem com o limo macio
das palavras.
Eu usava arpões
para não fisgar as minhas fragilidades.

Mas, porque me pedem notícias de mim,
eu as dou assim:
em versos.

Uso a máscara dos antigos bailes
e danço ao som de um clarinete
que sempre imaginei ser do avô.

(O avô - ah, os equívocos da infância! -,
o avô tocava bumbo.)

Porque me pedem notícias de mim,
confidencio afetos em palavras que os contradizem,
em excesso de murmúrios,
já que as tardes concretas silenciaram os meus antigos
(des)amores.

Pedem-me notícias de mim.
Eu as dou assim:
em versos
que me desmentem.

(Ávidas paixões, áridos amores - In: Obra poética reunida)

Poema 42

Arriete Vilela

Pensas encontrar-me aqui
nestes versos?

Enganas-te.

Os pássaros da poesia semeiam
miolos de pedra
a cada linha, para que tropeces nas entrelinhas.

E se buscas pistas de alguém
aqui, nestes versos,
desiste - ou não sairás do labirinto,
e os minotauros pisotearão a tua cabeça
- cruamente, sem simbolismos.

Pensas encontrar-me aqui
nestes versos?
Não te iludas.
Teu voyeurismo te deixará para sempre
no encalhe da maré,
pois fechadas a ti estão as entradas do rochedo:
ele, vigiado pelas borboletas
elas, tecidas por Aracne.

(In: Obra Poética Reunida)

Nos dois primeiros poemas postados, a poeta estabelece a relação de um eu enunciador com a poesia. Essa relação, no entanto, parece indicar um caminho que vai no sentido contrário ao da revelação, como se pode observar em “... eu as dou assim:/em versos/que me desmentem. “ (Poema 13) e em ”Pensas encontrar-me aqui/nestes versos?/Enganas-te.”(Poema 42), ecoando a bela suposição de que uma das estratégias da poesia é o engano. Sutilmente, porém, revela, a princípio, aquilo que nega, pois o hermetismo desse eu mais profundo é surpreendido na beleza da metáfora: “... fechadas a ti estão as entradas do rochedo...”. Entretanto a mesma impossibilidade acaso surpreendida no vocábulo “rochedo” é lapidada pela fragilidade do “tecidas por Aracne” e “vigiado pelas borboletas”.

Os poemas seguintes tematizam esse eu poético que se autoinvestiga. É interessante se atentar para o final do Poema 4, em que novamente a imagem do rochedo é usada, mas, dessa vez, a palavra “descobrindo-se” parece confirmar o estabelecimento da mesma possibilidade de desnudamento: se lá eram o “apenas” borboletas, aqui é a “baixa da maré”.

Poema 4

Arriete Vilela

Preciso sempre
ir dentro de Mim:

confiro-me

E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da
maré.


Poema

Arriete Vilela

Não devias ameaçar-me
com essa solidão:
venho de portos sem búzios,
destinos diversos
cruzando-se na soleira
dos meus olhos.

Não devias ameaçar-me:
refaço minha travessia
e te provo que meu coração
sobrevive à ausência
de bússola.
(Frêmitos - In: Obra poética reunida)

Poema 29

Arriete Vilela

Vou me sabendo sem remansos.
Por vezes o mar estronda
dentro de mim
e tempestades me obrigam
a descer aos porões, a reconhecer-me
nas escotilhas fechadas da minha
incômoda solidão.

Difícil reconhecimento, porém.
Eu já sou muitas.
Meus olhos, é verdade,
ainda se mantêm amorosamente
indiscretos, e minha alma busca
da palavra as seduções segredosa
que me ardem no peito.
Mas já não me deixo
possuir.


Poema 5

Arriete Vilela

É bom
ter o coração apaziguado:

outra vez na ponta
do arco,
torna-se flecha
ultrapassando-se
no próprio
voo.
(Frêmitos - In: Obra poética reunida)

Termino a postagem com um poema que, se possui um tema social aflitivo, a beleza da comparação transforma esse tema em uma fala poética, esvaziando-o do que poderia trazer-lhe um ar recorrentemente panfletário. É impossível não se atentar para a inteligência da vinculação de “meninos de rua” e “pardais”, imagem que faz parte de meu universo poético, pelo mesmo motivo que norteou a poeta em questão (remeto o leitor a dois poemas em meu blogue – link e link – “Poema Vivo”, onde uso a imagem do pardal, como a ave que se esvazia de todo o seu conteúdo idealistamente poético, por seu “plebeísmo”).

Poema 28

Arriete Vilela

Os meninos de rua
parecem pardais urbanos:
em ligeiros voos
acham-se em toda parte,
aproveitam restos de toda sorte.

Tropical
é algazarra de suas vozes,
quando se ajuntam;
seus gestos e jeitos,
de uma graça desavisada,
assustam e comovem.

Atentíssimo dever ser
o anjo da guarda dos meninos de rua,
esses tantos pardais urbanos.


Convido o visitante a uma viagem até meus blogues Poema Vivo (link) e Conto-gotas (link).