Eliane F.C.Lima
O presente artigo pretende discorrer, de forma bastante superficial e resumida, sobre as mudanças que ocorreram na visão da crítica ao abordar um texto literário. Vamos observar que o movimento, a grosso modo, se deslocou do autor, para o texto e, num terceiro momento, mesmo que inicialmente, para o leitor.
Fixam-se, aqui, certos conceitos e termos, utilizados ao longo deste trabalho, e referentes aos três elementos fundamentais na relação crítica/texto artístico:
1.O autor (a produção): elemento extratextual; do contexto; transcendente ao texto, portanto.
2.O texto (poema, romance, conto ou trecho deles): elementos imanentes.
3.O leitor (recepção): elemento extratextual; do contexto; também transcende ao texto.
Crítica focada na produção (1)
Até o fim do século XIX, enfocava-se a pessoa do autor, salientados seus determinantes sociais, históricos, culturais, biográficos, enfim, as conexões que a obra de arte mantém com esse sujeito e sua sociedade, na época da gênese de sua obra. Desse modo, os preceitos analíticos de então investigavam o estrato histórico-social presentes na criação literária – corrente sociológica – ou os vestígios desse ser produtivo extratextual, o autor – corrente psicológica –, como os reflexos de sua alma ou personalidade na matéria textual.
A abordagem literária, então, ficava sob critérios impressionistas, sem o respaldo de fundamentos realmente teóricos, identificando no texto a expressão da vida de seu autor. As avaliações da época são mais morais do que estéticas, carentes de normas metodológicas de análise do discurso literário. Como exemplo, a produção das mulheres, cujos textos eram medidos por sua condição de gênero, social e não pelo valor artístico do texto.
Por volta da Primeira Guerra Mundial, há uma forte mudança do interesse para o texto propriamente dito, mudança que se apresentou sob diferentes movimentos de crítica.
Crítica focada no texto (2)
Estilística
Esse movimento foca seu interesse no texto artístico, entendido como aquele que rompe com a norma linguística – norteadora tão somente da linguagem lógica, comunicativa, do cotidiano –, texto que promove um “desvio” que possibilita uma linguagem expressiva. A Estilística, entretanto, julga que esse “desvio” da linguagem usual ainda é o sinal de uma situação particular autoral, mesmo que parta de uma especificidade imanente à obra.
Formalismo russo
Com o Círculo Linguístico de Moscou (1915-1930), desenvolveram-se os estudos de linguística e poética, do romance e do conto, o que permitiu a fundamentação teórica, metodológica e instrumental de investigação do texto, sem preocupação com o autor, dados históricos ou sociais: a literatura é a arte da palavra e deve ser estudada sob o foco literário.
A inovação desse pensamento é o estudo descritivo e morfológico do texto, ou seja, prendia-se ao estritamente imanente na obra. Enxergaram-na como organização artística, dedicando-se a uma descrição exaustiva de seus elementos componentes, de suas funções, dos processos técnicos manipulados por um escritor ao organizar seu texto. Os formalistas russos influenciaram os estruturalistas de Praga.
Estruturalismo
Reunido no Círculo Linguístico de Praga (1926), o Estruturalismo, embora com divergências internas, dirigia, de uma forma geral, seus estudos, rigorosamente, para a estrutura do texto, concebido como um conjunto dinâmico de relações, cuja totalidade estrutural, objetivo final dos estudos, confere sentido a cada parte, a qual adquire com precisão o seu valor através de sua relação com aquela totalidade específica e não outra. Como se vê, o estruturalismo despreza também qualquer estudo que transcenda o puramente textual.
New Criticism
É um movimento anglo-americano, que, embora se debruçasse preferencialmente sobre o texto, já começava a ter um certo interesse pela figura do leitor, ao identificar uma série de exegeses para um texto. No entanto ainda atribuía valores a essas diversas interpretações, identificando uma como correta e as demais como falsas. Essa visão axiológica de seu objeto acaba se mostrando subjetiva e impressionista.
Desconstrução
Iniciada pelo estudioso francês Derrida, em 1967, a concepção de “desconstrução” teve seu ápice nas décadas de setenta e oitenta. Mas o pensador sempre rejeitou qualquer definição estável do termo.
Desconstruir um texto é não procurar seu sentido, mas percebê-lo como a infinitude que surge de seu próprio jogo, entendendo-se que muitos textos artísticos ultrapassam os limites de representação.
A desconstrução enfatiza que textos literários apresentam contradições internas, asserções disfarçadas ou não articuladas e que não garantem nenhuma certeza , podendo significar muitas coisas diferentes ou nenhuma em especial. Por sua própria natureza de jogo linguístico artístico, no texto literário não haveria prevalência de um sentido sobre outros, ficando a intenção do autor sempre dissolvida nessa dinâmica lúdica.
Crítica focada no leitor (3)
A Teoria ou Estética da recepção
Tal teoria traz de volta, embora por motivos diferentes dos anteriores ao século XX, aspectos transcendentes ao texto, ao introduzir, na investigação literária, o papel fundamental do leitor como recriador do texto e todas as condições históricas, culturais e sociais mobilizadas por ele em sua leitura/interpretação. A pesquisa se interessa pelas várias interpretações receptivas que um texto teve ao longo de sua vida literária, conjunto que lhe iria atribuindo, assim, os significados.
Num primeiro momento, década de 60, o movimento, radicalmente, ignora a atuação do autor, a produção do texto, para atribuir somente ao leitor e ao seu horizonte de expectativas – à recepção – a importância maior, em seu papel de realizar o sentido do texto. Por motivos diversos do da “Desconstrução”, também nega uma significação única, aspirando ao entendimento da diferença das variadas exegeses de um texto de diferentes leitores.
Posteriormente, os analistas perceberam que havia, evidentemente, também um significado textual intencionado pelo produtor do texto, o primeiro a ser constituído na lista dos sentidos instituídos depois por seus leitores, que não podia ser ignorado, fundamental em relação às inúmeras interpretações e no estabelecimento dos significados da obra.
Como crítica literária contemporânea, acredito firmemente que, se o texto é o instrumental maior e mais seguro a ser focalizado para o descobrimento de todas as exegeses possíveis, os dados extratextuais disponíveis – a biografia do autor, suas circunstâncias históricas e as diversas interpretações feitas através dos tempos ou por variados leitores/críticos coevos – podem e devem ser mobilizados também para a realização segura dessa prazerosa tarefa.
Bibliografia
BORBA, Maria Antonieta. J. O. de, Tópicos de Teoria para a investigação do discurso literário. Rio de Janeiro:7Letras, 2004.
BRASIL, Assis. Vocabulário Técnico de Literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint Ltda/Edições de Ouro, 1979.
JAUSS, H.R... et al.; A literatura e o leitor. (coord. e trad.: Luís Costa Lima). 2 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SILVA, Vítor Manuel de A. e. Teoria da Literatura, 3 ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1979.
Estou também em Conto-gotas (link), Poema Vivo (link), Debates Culturais, onde passo, agora a publicar alguns artigos, bastando um clique, na lista "Colunistas", à direita, em Eliane Lima (link) e Recanto das Letras (aqui).
O presente artigo pretende discorrer, de forma bastante superficial e resumida, sobre as mudanças que ocorreram na visão da crítica ao abordar um texto literário. Vamos observar que o movimento, a grosso modo, se deslocou do autor, para o texto e, num terceiro momento, mesmo que inicialmente, para o leitor.
Fixam-se, aqui, certos conceitos e termos, utilizados ao longo deste trabalho, e referentes aos três elementos fundamentais na relação crítica/texto artístico:
1.O autor (a produção): elemento extratextual; do contexto; transcendente ao texto, portanto.
2.O texto (poema, romance, conto ou trecho deles): elementos imanentes.
3.O leitor (recepção): elemento extratextual; do contexto; também transcende ao texto.
Crítica focada na produção (1)
Até o fim do século XIX, enfocava-se a pessoa do autor, salientados seus determinantes sociais, históricos, culturais, biográficos, enfim, as conexões que a obra de arte mantém com esse sujeito e sua sociedade, na época da gênese de sua obra. Desse modo, os preceitos analíticos de então investigavam o estrato histórico-social presentes na criação literária – corrente sociológica – ou os vestígios desse ser produtivo extratextual, o autor – corrente psicológica –, como os reflexos de sua alma ou personalidade na matéria textual.
A abordagem literária, então, ficava sob critérios impressionistas, sem o respaldo de fundamentos realmente teóricos, identificando no texto a expressão da vida de seu autor. As avaliações da época são mais morais do que estéticas, carentes de normas metodológicas de análise do discurso literário. Como exemplo, a produção das mulheres, cujos textos eram medidos por sua condição de gênero, social e não pelo valor artístico do texto.
Por volta da Primeira Guerra Mundial, há uma forte mudança do interesse para o texto propriamente dito, mudança que se apresentou sob diferentes movimentos de crítica.
Crítica focada no texto (2)
Estilística
Esse movimento foca seu interesse no texto artístico, entendido como aquele que rompe com a norma linguística – norteadora tão somente da linguagem lógica, comunicativa, do cotidiano –, texto que promove um “desvio” que possibilita uma linguagem expressiva. A Estilística, entretanto, julga que esse “desvio” da linguagem usual ainda é o sinal de uma situação particular autoral, mesmo que parta de uma especificidade imanente à obra.
Formalismo russo
Com o Círculo Linguístico de Moscou (1915-1930), desenvolveram-se os estudos de linguística e poética, do romance e do conto, o que permitiu a fundamentação teórica, metodológica e instrumental de investigação do texto, sem preocupação com o autor, dados históricos ou sociais: a literatura é a arte da palavra e deve ser estudada sob o foco literário.
A inovação desse pensamento é o estudo descritivo e morfológico do texto, ou seja, prendia-se ao estritamente imanente na obra. Enxergaram-na como organização artística, dedicando-se a uma descrição exaustiva de seus elementos componentes, de suas funções, dos processos técnicos manipulados por um escritor ao organizar seu texto. Os formalistas russos influenciaram os estruturalistas de Praga.
Estruturalismo
Reunido no Círculo Linguístico de Praga (1926), o Estruturalismo, embora com divergências internas, dirigia, de uma forma geral, seus estudos, rigorosamente, para a estrutura do texto, concebido como um conjunto dinâmico de relações, cuja totalidade estrutural, objetivo final dos estudos, confere sentido a cada parte, a qual adquire com precisão o seu valor através de sua relação com aquela totalidade específica e não outra. Como se vê, o estruturalismo despreza também qualquer estudo que transcenda o puramente textual.
New Criticism
É um movimento anglo-americano, que, embora se debruçasse preferencialmente sobre o texto, já começava a ter um certo interesse pela figura do leitor, ao identificar uma série de exegeses para um texto. No entanto ainda atribuía valores a essas diversas interpretações, identificando uma como correta e as demais como falsas. Essa visão axiológica de seu objeto acaba se mostrando subjetiva e impressionista.
Desconstrução
Iniciada pelo estudioso francês Derrida, em 1967, a concepção de “desconstrução” teve seu ápice nas décadas de setenta e oitenta. Mas o pensador sempre rejeitou qualquer definição estável do termo.
Desconstruir um texto é não procurar seu sentido, mas percebê-lo como a infinitude que surge de seu próprio jogo, entendendo-se que muitos textos artísticos ultrapassam os limites de representação.
A desconstrução enfatiza que textos literários apresentam contradições internas, asserções disfarçadas ou não articuladas e que não garantem nenhuma certeza , podendo significar muitas coisas diferentes ou nenhuma em especial. Por sua própria natureza de jogo linguístico artístico, no texto literário não haveria prevalência de um sentido sobre outros, ficando a intenção do autor sempre dissolvida nessa dinâmica lúdica.
Crítica focada no leitor (3)
A Teoria ou Estética da recepção
Tal teoria traz de volta, embora por motivos diferentes dos anteriores ao século XX, aspectos transcendentes ao texto, ao introduzir, na investigação literária, o papel fundamental do leitor como recriador do texto e todas as condições históricas, culturais e sociais mobilizadas por ele em sua leitura/interpretação. A pesquisa se interessa pelas várias interpretações receptivas que um texto teve ao longo de sua vida literária, conjunto que lhe iria atribuindo, assim, os significados.
Num primeiro momento, década de 60, o movimento, radicalmente, ignora a atuação do autor, a produção do texto, para atribuir somente ao leitor e ao seu horizonte de expectativas – à recepção – a importância maior, em seu papel de realizar o sentido do texto. Por motivos diversos do da “Desconstrução”, também nega uma significação única, aspirando ao entendimento da diferença das variadas exegeses de um texto de diferentes leitores.
Posteriormente, os analistas perceberam que havia, evidentemente, também um significado textual intencionado pelo produtor do texto, o primeiro a ser constituído na lista dos sentidos instituídos depois por seus leitores, que não podia ser ignorado, fundamental em relação às inúmeras interpretações e no estabelecimento dos significados da obra.
Como crítica literária contemporânea, acredito firmemente que, se o texto é o instrumental maior e mais seguro a ser focalizado para o descobrimento de todas as exegeses possíveis, os dados extratextuais disponíveis – a biografia do autor, suas circunstâncias históricas e as diversas interpretações feitas através dos tempos ou por variados leitores/críticos coevos – podem e devem ser mobilizados também para a realização segura dessa prazerosa tarefa.
Bibliografia
BORBA, Maria Antonieta. J. O. de, Tópicos de Teoria para a investigação do discurso literário. Rio de Janeiro:7Letras, 2004.
BRASIL, Assis. Vocabulário Técnico de Literatura. Rio de Janeiro: Tecnoprint Ltda/Edições de Ouro, 1979.
JAUSS, H.R... et al.; A literatura e o leitor. (coord. e trad.: Luís Costa Lima). 2 ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SILVA, Vítor Manuel de A. e. Teoria da Literatura, 3 ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1979.
Estou também em Conto-gotas (link), Poema Vivo (link), Debates Culturais, onde passo, agora a publicar alguns artigos, bastando um clique, na lista "Colunistas", à direita, em Eliane Lima (link) e Recanto das Letras (aqui).
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