Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)
A poeta Cida Pedrosa é pernambucana (Bodocó, 1963), além de advogada e divulgadora cultural, como se comprova pela coordenação do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco e organização do Concurso de Recitação do Festival Recifense de Literatura – Recitata –, além de editar a Interpoética (Convida-se aqui a assistir, em vídeo, a entrevista de Cida Pedrosa), site criado junto com Sennor Ramos e considerado o maior acervo on-line de poesia pernambucana. Está on-line, ainda, no espaço Escritoras suicidas.
Obras
A poeta Cida Pedrosa é pernambucana (Bodocó, 1963), além de advogada e divulgadora cultural, como se comprova pela coordenação do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco e organização do Concurso de Recitação do Festival Recifense de Literatura – Recitata –, além de editar a Interpoética (Convida-se aqui a assistir, em vídeo, a entrevista de Cida Pedrosa), site criado junto com Sennor Ramos e considerado o maior acervo on-line de poesia pernambucana. Está on-line, ainda, no espaço Escritoras suicidas.
Obras
Restos do fim (1982); O cavaleiro da epifania (1986); Cântaro (2000); Gume (2005); As filhas de lilith (2009); Miúdos (2011).
Sobre algumas poesias selecionadas, podem ser feitos algumas observações, ainda que superficiais. A primeira delas seria sobre o aproveitamento poético da condição feminina: abordado sobre uma visão contemporânea da mulher, suas circunstâncias históricas atuais, pode ser reconhecido nos dois poemas seguintes.
No primeiro, pode-se chamar a atenção para a citação final, que aproveita a crença religiosa sobre a recompensa posterior do sacrifício e heroísmo masculino dos radicais terroristas, enfatiza e valoriza, em face dele, a ação da mulher, imbuída apenas de consciência política.
Sihem
sob a burca negra
o olhar sem véu
espreita a hora certa
o vai-e-vem dos homens
e o apito do trem
conta o compasso
do coração que já parou
amarras de pólvora
em volta do corpo
e o fogo da redenção
a sacolejar na partida
sihem não deixa filhos
um corpo para o desejo
nem sequer rostos aflitos
à sua espera
sobe aos céus sem recompensa
o profeta
não predestinou 40 virgens
para festejar sua chegada
Milena
gosto quando milena fala
dos homens
que comeu durante a noite
é a única voz soante
nesta cantina de repartição
onde todos contam:
do filho drogado do preço do pão
do sapato carmim, exposto na vitrine
da rua sicrano de tal do bairro
de casa amarela
onde você pode comprar
e começar a pagar apenas em abril
sem a voz de milena
o café desce amargo
Cinema aos domingos
a moça espera o rapaz na porta do cinema
o transeunte passa, olha a moça
sorri por entre dentes
a sessão começa e a moça espera o rapaz
o transeunte passa, olha a moça
um olhar por entre olhos
a sessão termina e a moça espera o rapaz
o transeunte passa, olha a moça
um olhar por entre pernas
o vendedor de confeitos se retira
a moça não mais espera o rapaz
o transeunte passa, os dois se olham
um olhar por entre coxas
o rapaz espera a moça na calçada do cinema
Nos dois textos transcritos abaixo, o enunciado poético traz o mundo contemporâneo, com suas questões cotidianas que vão moldando e intensificando as velhas questões humanas.
Morte sob carbono
a floresta (dentro
da sala)
espia o homem
que se apoia na caneta
nomes números nódoas
as velhas esperam
o ventilador gira
o café esfria o bigode do funcionário
– papel poeira pesares –
– idades vãs –
entre
um documento e outro
um carimbo e outro
uma certidão e outra
as velhas
acertam um grampo na alma
e pactuam um prazo com a morte
Céu de confeiteiro
uma fatia de céu
é dada
nesta noite de maio
quinhão que cabe ao homem
que da janela espera
a urbe apita
e o calor
se faz bruma e precipício
uma fatia de céu
é dada
aos amantes da varanda
quinhão que cabe ao amor
em tempos de luas magras
Mas a eterna sondagem intimista, ponta de lança do discurso da poesia, não se recusa a surgir em Cida Pedrosa. Mesmo que, como acontece em “Urbe”, a localização espacial e interferência externa – o rio Capibare, que atravessa recife – venha lançar seus tentáculos nesse eu subjetivo e interior.
Urbe
hoje na minha boca
não cabem girassóis
cabe um poemapodre
cheiro de mangue capibaribe
um poemaponte
galeria esgoto chuvas de abril
um poemacidade
fumaça ferrugem fuligem
hoje na minha boca
cabe apenas o poema
o poema hóspede da agonia
Absoluto
quando o tempo do branco chegar
não terei gaiolas
gatos siameses
ou cachorro poodle
com coleira de marfim
com certeza
direi poemas indecentes
falarei de revoluções inacabadas
de lugares que mapeei com minha alma
A festa
hoje é dia de festa
mesmo que a dor
(intransferível)
se acomode na poltrona
e faça sala aos convidados
hoje é dia de festa
mesmo que a morte ronde
diga poemas de augusto
e comemore a vida
definitivamente
hoje é dia de festa
mesmo que olhos de neblina
não mais te vejam
e a dor se infiltre
em teus cabelos
O bar
aqui
no fim do dia
rumino a alma
e espeto a dor
com o palito de azeitona
No último texto abaixo, a revelação final e indubitável de um eu lírico que, sem vexames, se revela por inteiro.
Diferença
meu amor ouve fado
não rodopia
apenas baila e espreita.
eu gosto de tango.
minha mãe sempre diz:
seus olhos são trágicos.
Como Manuel Bandeira, que usou o tango como símbolo máximo do sofrimento humano em seu poema “Pneumotórax” ("- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado./- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?/- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."), o eu lírico traduz com o mesmo recurso a diferença entre dois seres: a tragicidade.
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