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domingo, 10 de março de 2013

A nova mulher: o "tornar-se agente" em Castro Alves

Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)
Na sexta-feira, dia 08-03-2013, foi o Dia Internacional da Mulher. Embora seja apenas um dia, serve para lembrar às mulheres, principalmente, que somos nós que devemos reger nossos destinos. Resolvi trazer um poema de Antônio Frederido de Castro Alves (1847-1871 – poeta baiano, pertencente à terceira geração romântica, mais conhecido por seus poemas abolicionistas). É feito um superficial estudo sobre suas significações, sendo esta apenas uma possibilidade de leitura.

       
O adeus de Teresa

Castro Alves

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala...

E ela, corando, murmurou-me: “adeus”.

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saiu um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!


Passaram tempos... séc’los de delírio...
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei!... descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança, 
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”

 
Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d’Ela e de um homem lá na [orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
 
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”


    Quando se lê o poema do romântico Castro Alves fica evidente que é estruturado sobre uma narração – a par do lirismo predominante, é óbvio –, como base intencional para a construção do verdadeiro e maior significado,  a “narratividade”, a qual domina o texto, conforme se pode compreender através da definição de José Luiz Fiorin, em seu Elementos de análise do discurso (10.ed., São Paulo: Contexto, 2001):


Na realidade, é preciso fazer uma distinção entre narratividade e narração. Aquela [narratividade] é componente de todos os textos, enquanto esta [narração] concerne a uma determinada classe de textos. A narratividade é uma transformação situada entre dois estados sucessivos e diferentes. 

 
    Para se exemplificar concretamente a diferença entre as duas, a narração em que se desenrola todo o texto do poeta baiano, pode ser identificada, por exemplo, nos elementos temporais que vão encadeando uma história que está sendo contada sobre um eu lírico e uma mulher chamada Teresa: “A vez primeira que eu fitei Teresa”,”E depois na sala”; “Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...”; “Passaram tempos... séc’los de delírio...”; “Quando voltei... era o palácio em festa!...”; “Foi a última vez que eu vi Teresa!...”.
    No entanto a narratividade – “a transformação situada entre dois estados sucessivos e diferentes” –, embora seja encontrada até num trecho como “Ela me olhou branca... surpresa!” (última estrofe, na qual a figura Teresa passa de um estado de alegria para um estado de negativa surpresa), pode ser avaliada como a verdadeira intenção do discurso total do eu poético, o que seria, afinal, sua configuração lírica: se, no texto, há um enfoque amoroso, o processo em que esse sentimento se dá vai numa metamorfose de sentidos opostos, pois, como o título mesmo sugere, o que era delírio e sensualidade acaba numa cena de despedida, ou em “disjunção”, como nomeia o mesmo Fiorin.
    A leitura do texto identifica duas figuras centrais, qual seja, um eu poético, reconhecível em todos os pronomes de primeira pessoa, e Teresa, o centro amoroso das atenções desse sujeito lírico.
    Um olhar perscrutador, entretanto, identifica um desdobramento na figura desse eu poético. Há, na verdade, duas presenças: um eu enunciador, que olha de um lugar e um tempo diferentes, e narra um fato, como seu objeto, e um outro, que, nomeado até em terceira pessoa, passa a fazer parte desse objeto narrado: “Uma noite... entreabriu-se um reposteiro.../E da alcova saiu um cavaleiro/Inda beijando uma mulher sem véus...”.
    O mais importante, porém, é a presença do termo “adeus”, que percorre todo o poema, marcando uma partida, cuja iniciativa vem sempre do eu lírico, o elemento masculino da relação, que, assim, estabelece, com  suas ausências, a interrupção ou a retomada do evento amoroso. À Teresa, o elemento feminino, só cabe a resposta resignada à ação do sexo oposto.
    Mas uma mudança no estado de ânimo da figura feminina, levada pelo aprofundamento do sentimento amoroso, em relação às partidas do amado, embora não percebida por ele, então, vai sendo sutilmente revelada por esse sujeito lírico que volve seu olhar, já criticamente, do presente para o passado: “E ela, corando, murmurou-me: 'adeus'” (após a primeira estrofe); “E ela entre beijos murmurou-me: 'adeus!'” (após a segunda); “Ela, chorando mais que uma criança,/Ela em soluços murmurou-me: 'adeus!'” (após a terceira).  
    O desfecho do texto, todavia, marca uma mudança radical no aspecto desnivelado dessa relação e na atitude da figura Teresa frente a ela: o  adeus definitivo protagonizado pela mulher, o movimento  no sentido de definir seu próprio destino.
    O título “O adeus de Teresa”, enfático, anula as atitudes do sujeito masculino, diminuindo-o frente à figura feminina, marcada pela importância desse “tornar-se agente”.

Convido a quem me visita a ir também a meus blogues Conto-gotas (link) e Poema Vivo (link).

Um comentário:

Marise Ribeiro disse...

Perfeita escolha de poema, Eliane, para exemplificar a evolução da mulher em se tornar agente da situação. Como diz o Poeta "o perdão também cansa de perdoar", a Teresa cansou de responder ao adeus e lacrou a relação definitivamente. Felizes de nós, mulheres, por estarmos tão bem divulgadas e defendidas neste espaço de alto nível.
Beijos