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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A culpa da vítima em ser vítima - Comentando... 8

Hoje vou refletir sobre as palavras de alguém que, há pouco tempo colocou uma postagem para o “Comentando... 1”. Antes de mais nada, sugiro aos leitores a visita a essa postagem (basta descer até o início) para que o entendimento fique completo. De qualquer forma, lá eu falava de uma mensagem de e-mail que eu havia recebido e onde se dizia que a expressão “mulheres burras” era um pleonasmo, ou seja, como chover no molhado. Fiz as considerações que devia sobre a piada ofensiva.
O visitante acima mencionado não teve certeza que “toda mulher” não era burra – eu, que não sou burra, percebi – e fez uma observação que eu pretendo responder aqui. Não por ter ficado zangada com ele, mas porque o conteúdo dela é consenso, ainda, entre muitas pessoas. Ele sugeriu que o fato de serem machistas e preconceituosos se devia à própria mãe dos humoristas. Ora isso me lembra muito o tempo em que as mulheres vítimas de estupro sempre eram consideradas as culpadas do fato, pois delegados, investigadores, advogados e juízes encontravam nelas, sempre, algo de sedução e que justificava a atitude do macho. Eram as mulheres, em suma, que convidavam ao estupro.
Ou as versões modernizadas da história que apontam chefes de tribos africanas, do tempo da escravidão, como mediadores do processo escravocrata. Reescrevendo a história e introduzindo outros cúmplices, verídicos ou não, os brancos tentam se livrar da culpa que têm.
Também me lembro da infinidade de vezes em que ouvi pessoas dizendo que há negros mais racistas do que brancos, que são críticos e preconceituosos com seus pares. A tolice dessa observação está em não se enxergar que a sociedade branca impinge um modelo ético e estético a todos, a brancos e a negros, os quais, como seres humanos sociais, podem sucumbir à opressão. Há uma imagem que me parece perfeita para isso: os pássaros que, presos desde sempre, quando têm a porta da gaiola aberta, voam em volta, mas não fogem dali.
Como se vê, o poder, além de oprimir, sempre torna o oprimido responsável pela tirania.
Então temos duas inferências sobre essas “pobres mães” que, além de serem “burras”, porque são mulheres, ainda são culpadas de serem assim vistas.
Primeiro: elas estão no mesmo caso dos negros acima: a uma criança do sexo feminino, que tivesse ouvido, desde a mais tenra infância, que os homens são os melhores, são mais inteligentes, que a eles devem ser reservadas todas as oportunidades, fica difícil entender que isso não faz parte da "essência" dos homens, mas é apenas um fato cultural, social e de perpetuação do poder. E mais difícil ainda subverter a ordem das coisas. E se, durante muito tempo, reproduziram isso, fizeram como os pássaros presos às gaiolas por laços invisíveis.
Mas, como foi dado aos negros também perceberem – hoje eles não aceitam mais o preconceito, foram capazes de exigir mudanças na lei e chegam até a contestar o papel de redentora da princesa Isabel, exigindo mudanças no modo de interpretar a história –, as mulheres acabaram transformando a sociedade, sim. Muitos teóricos do pós-modernismo apontam o movimento feminista como o primeiro e grande passo transformador do mundo pós-moderno. Piadas sobre a mulher não são só ofensivas e deveriam ser contra a lei, são anacrônicas, sinal de miopia daqueles que, já morrendo afogados em suas crenças estreitas e ultrapassadas, ainda teimam em repetir as mesmas tolices de sempre.
Mas o mais grave me parece o fato de um homem declarar com todas as letras que as mulheres ainda são as únicas responsáveis pela educação das crianças. Ora, se houve um tempo em que isso era real, o que é o testemunho do quanto as mulheres eram impedidas de uma vida externa e estavam acorrentadas à casa, verdadeira prisão domiciliar, hoje em dia isso não ocorre mais. A educação dos filhos é responsabilidade do casal, todas as decisões sobre eles, além do amor, são compartilhadas pela mulher e pelo homem, que têm uma vida pública e trabalham. Portanto o argumento continua sendo anacrônico e “sinal de miopia” etc (releia-se o final do parágrafo acima).
Lembro que ouvi essas mesmas palavras de um colega professor – veja a gravidade nesse caso! Perguntei a ele se era aquilo mesmo que queria dizer, que era um pai omisso no que dizia respeito à educação dos próprios filhos. Que a lei e as regras sociais não permitiam mais esse tipo de coisas.
Espero que as considerações feitas aqui ajudem aos preconceituosos a refletirem sobre si. E que abandonem os velhos chavões antiquados e busquem argumentos mais adequados aos novos tempos.


Um comentário:

L. Rafael Nolli disse...

Eliane, esse é realmente um assunto que me atrai muito. O seu texto flui com uma clareza de dar inveja! Olha, eu até imagino qual seja esse grupo! O problema é que o preconceito latente contra as minorias está presente em praticamente todos os humorísticos televisivos! E o pior, muitas vezes sendo perpetrado por mulheres... Lamentável vermos isso, é de revoltar.
No mais, o seu texto já diz tudo e diz bem! Muito bom!