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domingo, 21 de março de 2010

A linguagem elíptica de um eu abundante - Literatura, já 11

Eliane F.C.Lima

Conheci a escritora Helena Parente Cunha, pessoalmente, na UFRJ, onde dá aulas como professora. Ela me fez a grande gentileza de fazer parte de minhas bancas de mestrado e doutorado. Travei conhecimento não só com sua afável baianice, mas também com sua ficção e poesia, além de sua fecunda e respeitada produção crítica.

Os poemas postados abaixo traçam a trajetória de um eu poético que se interroga, que se analisa, que se expõe.
E a linguagem de Helena, tão elíptica, em sua economia vocabular, é nos poemas o que é nos contos: tão condensada quanto abundantemente expressiva.

Bibliografia da autora:
Romances: Mulher no espelho (1983); As doze cores do vermelho (1988); Claras manhãs de barra clara (2002).
Poemas: Além de estar (2000); Caminhos de quando e além (2007); Cantos e Cantares (2005); Corpo no cerco (1989); Maramar (1980); O outro lado do dia – poemas de uma viagem ao Japão (1995)
Contos: A casa e as casas (1998); Cem mentiras de verdade (1990); Os provisórios (1990); Racconti (1998);Vento ventania vendaval (1998).
Ensaios: Além do Cânone; Desafiando o cânone; Desafiando o cânone (2); Jeremias, a palavra poética; Mulheres inventadas 1; Mulheres inventadas 2; O lírico e o trágico em Leopardi; Os melhores contos de João do Rio; Quem conta um conto - Estudos sobre contistas brasileiras estreantes nos anos 90 e 2000.

I. Bloqueio

Helena P.Cunha

onde sopra agora o vento
que levava o que eu dizia?

onde se perderam os nomes
que tantas coisas tiveram?

onde ficaram as coisas
chamadas em minha voz?

e minha voz
como assim subtraída?

gosto de pedra
na saliva em minha língua

as palavras me emparedam
onde houvera minha boca


II. Condição

Helena P.Cunha

advindos
deslocamos formas
na voragem previsível

fugidos
deflagramos desejos
mas vulnerados votos
(ávida a vida)

movidos
somamos vendas
de vedados ápices

abolidos
desvinculamos nexo
em consentido fluir
(havida, a vida)

III. Geometria

Helena P.Cunha

paralela ao espelho
avanço
nos pontos
e nas linhas
que me traçam

as côncavas mãos
onde
me elipso

no riso horizontal
meu rosto
vertical ao
pranto


IV. Quem

Helena P.Cunha

quem me habita provisória
nesta paisagem súbita
onde sou?

quem chora pranto antigo
nos meus olhos contemporâneos
desta viagem?

quem fui quando passei
aqui tão longe
de onde sou agora?

V. Vinda

venho não sei
venho de que sombra
caminhando como
enveredando névoa

venho talvez
de perdido onde
buscando porque
tateando através

eu venho noite
de remoto aquém
rastejando treva
que nasci de mim

3 comentários:

ju rigoni disse...

O pouco que é muito; que transborda. Ela consegue transcender a própria concisão, se é que me entende... Você sabe, Eliane, como eu admiro os poetas que conseguem esse feito.

Adorei provar essas gotas, de sabor intenso, da obra da Helena.

"onde ficaram as coisas
chamadas em minha voz?

e minha voz
como assim subtraída?

gosto de pedra
na saliva em minha língua

as palavras me emparedam
onde houvera minha boca"

Bjs, Eliane, e inté!

L. Rafael Nolli disse...

Uma coleção muito boa de poemas! Imagino a quantidade de bons poemas que a Helena tenha ainda! Gostei dessa amostra, Eliane!

PoemasdeFran.blogspot.com disse...

De visita por tu blog Eliane, retomando actividades, corazón aún apretado, espectante, angustiado. Debo seguir nadando para alcanzar la orilla, abandonando en las honduras del mar, dolores, inseguridades, que a todos los seres humanos, en algún momento nos tocan.
Felicidades amiga y felicitaciones como siempre.
Francisca.