Eliane F.C.Lima
Volto hoje a Os cem menores contos brasileiros do século (Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, Coleção 5 minutinhos), cujos contos já comentei em "Palavras sobre palavras 9" (para voltar lá e ter informações seguras sobre o organizador Marcelino Freire, clique aqui).
Volto hoje a Os cem menores contos brasileiros do século (Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, Coleção 5 minutinhos), cujos contos já comentei em "Palavras sobre palavras 9" (para voltar lá e ter informações seguras sobre o organizador Marcelino Freire, clique aqui).
Desta vez, escolhi três escritoras que já são bastante conhecidas, embora pertençam à novíssima e excelente geração (para acessar o blogue da primeira, basta ir à minha lista de blogues).
Para iniciar, devemos relembrar, sucintamente, a noção de isotopia, já colocada antes: é um plano de sentido, uma leitura que se pode fazer de um texto (ou até frase). Alguns só admitem um significado possível. Mas os textos literários, quase sempre, permitem que se façam várias leituras, o que pode ter sido a intenção do autor ou não.
Para iniciar, devemos relembrar, sucintamente, a noção de isotopia, já colocada antes: é um plano de sentido, uma leitura que se pode fazer de um texto (ou até frase). Alguns só admitem um significado possível. Mas os textos literários, quase sempre, permitem que se façam várias leituras, o que pode ter sido a intenção do autor ou não.
Nos três minicontos abaixo, está óbvia essa intenção, não só por sua exiguidade, que não permitiria a fixação de um plano através de pistas dadas ao leitor, mas, pelo domínio literário das escritoras, que, brincando com várias possibilidades, exploram ao máximo a dinâmica de seus textos. Vamos a eles.
Conto 1 (01 da coletânea)
Adriana Falcão
(Informações sobre a escritora em Revista TPM. UOL ou clique aqui)
Ali, deitada, divagou:
se fosse eu,
teria escolhido lírios.
Está claro que o entendimento de que uma personagem, de um sofá, cama ou rede, olha para flores colhidas ou mesmo plantadas em um jardim, não pode, de modo nenhum, ser descartado. Mas, em minha visão, pela pobreza desse significado, esse texto perderia sua importância e não teria sua criação justificada. O vocábulo “deitada”, ao unir-se à idéia de “flores” – os lírios desejados ou a outra espécie que, em verdade, ali está –, me levou a imaginar uma personagem deitada em seu próprio caixão e que, de forma nenhuma, está alheia ao momento, exercendo, ainda, sua opinião. Anulando a impressão de tristeza, a qual sempre acompanha um momento dessa natureza, um quê de humor crítico em relação à cena fúnebre e à pessoa que comanda o velório domina o texto.
Conto 2 (48 da coletânea)
ATRIZ NO DIVÃ
Lívia Garcia-Roza
(Dados sobre a escritora vá a Digestivo Cultural ou clique aqui).
- Doutor, o senhor
já me viu representar?
- Fora daqui?
Uma atriz sempre representa em espaços específicos. E a pergunta “Fora daqui?” pode ser tomada, com ingenuidade, por apenas um inútil e redundante reforço de sentido por parte do psicanalista. Se o leitor se encaminha para uma segunda leitura, percebe, deliciado, no entanto, todo o alcance analítico e sarcástico da personagem “doutor” sobre a atuação da personagem “atriz” naquilo que deveria ser seu “revelar-se”: ela continua representando mesmo no divã.
Conto 3 (75 da coletânea)
TERRORES NOTURNOS
Paloma Vidal
(Para saber mais sobre a escritora leia Portal Literal - Terra ou clique aqui).
Abriu os olhos, pulou da cama,
correu até a porta: trancada.
O terceiro conto é o que permite, talvez, mais leituras.
A primeira: incitada por um sonho ruim, de invasão de seu quarto (ou acordada por um barulho do lado de fora), por exemplo, alguém vai até a porta e se tranquiliza: a porta está realmente trancada.
A segunda: ainda o sonho ou o barulho e, levada pelo medo, tenta sair e não consegue: alguém trancou a porta por fora.
Terceira: alguém está preso no quarto e adormece. De repente, acorda e, esperançoso, vai tentar a porta. Nada, trancada ainda.
Quarta...
Como se vê, os rígidos limites estabelecidos para alguém que escreve e tem talento – o escritor só podia usar cinquenta letras, sem contar o título e a pontuação, lembra? – pode ser uma arma usada a seu favor, instigando sua capacidade criadora, o que brinda os leitores com verdadeiros textos literários.
A primeira: incitada por um sonho ruim, de invasão de seu quarto (ou acordada por um barulho do lado de fora), por exemplo, alguém vai até a porta e se tranquiliza: a porta está realmente trancada.
A segunda: ainda o sonho ou o barulho e, levada pelo medo, tenta sair e não consegue: alguém trancou a porta por fora.
Terceira: alguém está preso no quarto e adormece. De repente, acorda e, esperançoso, vai tentar a porta. Nada, trancada ainda.
Quarta...
Como se vê, os rígidos limites estabelecidos para alguém que escreve e tem talento – o escritor só podia usar cinquenta letras, sem contar o título e a pontuação, lembra? – pode ser uma arma usada a seu favor, instigando sua capacidade criadora, o que brinda os leitores com verdadeiros textos literários.
2 comentários:
Oi, Eliane!
Interessante a sua leitura para o conto da Adriana. No meu caso, não a vejo olhando para flores. Apenas deitada, divagando sobre uma situação vivida. E, sendo assim, as leituras multiplicam-se.
O segundo, pelo menos para mim, além da que você citou, realmente não abriu tantas portas, embora seja muito bom.
O terceiro é uma "viagem"... Adorei!
Bjs, Eliane, e inté!
No conto da Adriana, fiz exatamente a mesma leitura que você, Eliane. Difícil haver outra mais surreal e, portanto, poeticamente mais real... Bjs
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