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domingo, 23 de junho de 2013

Polifonia: um recurso do engenho poético


Eliane F.C.Lima (Registrado no Escritório de Direitos Autorais - RJ)

Ainda a propósito dos conceitos bakhtinianos estudados em postagem anterior, solicito  a releitura de "Dialogismo" e "polifonia" ali resumidamente transcritos. 
Hoje é analisado um poema de Adélia Prado, do livro Oráculos de maio, e se verifica o quanto a perícia literária se aproveita das prerrogativas da linguagem comum, qual seja, desses dois aspectos. Dialogando, então, com um texto de domínio público, caro a uma coletividade ocidental, a escritora solicita o concurso de uma voz alheia ao poema, mas essencial para a configuração do discurso do sujeito lírico, suas significâncias e alcance.
 
       Mulher ao cair da Tarde


Adélia Prado



Ó Deus, não me castigue se falo

minha vida foi tão bonita!

Somos humanos,

nossos verbos têm tempos,

não são como o Vosso,

eterno.


Uma leitura atenta começa por identificar os termos “Deus” e “verbos”, o que remete a uma voz que se pronuncia no Gênesis, “No princípio era o verbo”, que se refere, naturalmente a uma prerrogativa divina, pejada de sua aura de sagrado e sempiternidade. 
Mas essa mesma leitura permite entrever que o locutor se apropria, sub-repticiamente, dessa sentença narrativa, para, em seu procedimento, apor ao termo “verbo” e a seu sentido original de Logos1 bíblico, seu significado contemporâneo de termo gramatical, em uma de suas características, qual seja a temporal, finita: “nossos verbos têm tempos”. Magistralmente, liga os dois significados e os opõe, ao apontar em outra direção, justificando, assim, a transitoriedade de sua condição humana. E o emprego de “foi tão bonita” em lugar de “é tão bonita”, ou seja o lamento por essa transitoriedade de aspectos, soa, para o agente do discurso, como uma ingratidão em relação a esse Deus e, portanto, quase como um pecado.
O entendimento do texto e o alcance da longitude poética partem e dependem, então, basicamente, do entendimento da afirmativa dessa outra voz de domínio coletivo, da identificação do significado primordial da palavra “verbo” ali empregado, do entrecruzar dessas duas vozes presentes. O diálogo da voz chamada ao texto e da voz enunciadora, através do jogo entre os dois significados do termo, constrói o significado geral do texto poético – há uma nítida distância estabelecida, então, entre “humanos” e a divindade, embutida naquele “Vosso” – e delineia o discurso daquela “Mulher ao cair da tarde”, que, assim, assume sua humana fragilidade e o direito à avaliação negativa sobre sua própria condição.
1. Conforme o dicionário Aulete digital, dentre outros conceitos, destacam-se: I.“conjunto de leis e conexões que, comandando o universo, formam uma espécie de inteligência cósmica”, segundo “o filósofo grego Heráclito (séc. V a.C.)”; II. Para a filosofia estoica é o princípio que anima e organiza a matéria, agindo como força determinante do destino e da racionalidade humanas”. No entanto, acredita-se que um terceiro conceito deste mesmo dicionário é o mais adequado ao texto da escritora: “No Evangelho de João, o Deus criador e seu filho, Jesus Cristo, que representam o poder e o saber absolutos da razão divina”.

Convido para meus blogues Poema Vivo (link) e Conto-gotas (link). 

Um comentário:

Gabi Castro disse...

Vejo que terei boas dicas aqui pra o vestibular que se aproxima! Obrigada pelos elogios!
Xerus
Gabi (http://abrindooslivros.blogspot.com/)