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sábado, 10 de outubro de 2009

O conto infantil: reflexo literário da mulher e do homem dentro de cada um?

Eliane F.C.Lima

Vou inverter a ordem das postagens, pois, já que entrei pelo campo das histórias infantis, tenho mais alguns comentários a fazer.
O primeiro deles é que tais narrativas podem não ser tão infantis assim, se levarmos em conta o pensamento de Carl Gustav Jung - Suíça, 1875 - 1961 (ver foto ao lado e, para maiores informações, clicar aqui. Veja vídeos em que ele dá entrevistas aqui). Ele foi um dos pioneiros dos estudos com a mente, fundador da psicologia analítica, conhecido popularmente por sua descoberta do inconsciente coletivo e por seus trabalhos com os arquétipos. O termo sincronicidade também ficou bastante conhecido. Têm ainda um certo trânsito popular os dois elementos psíquicos por ele estudados: anima e animus. Em minha tese de doutorado, O encontro com o arquétipo materno: imaginário e simbologia em Lya Luft (para pesquisa, clique aqui), faço uma leitura através de seus conceitos. (Para voltar para "Palavras sobre palavras 21, clique aqui).
De forma simplificada, a anima, presente no psiquismo masculino, teria características, culturalmente, identificadas como sendo de mulheres e o animus, as de homem, no psiquismo de mulheres. Conseguir incorporá-los à consciência seria uma das maneiras de se obter a totalidade e se chegar à individuação, objetivo fundamental na terapia junguiana e, convenhamos, o grande achado para a harmonia entre os seres humanos. Como se vê, Jung estava preparando o mundo, parece, para o futuro: hoje, buscar as características que se imaginam do sexo oposto - ou do gênero? -, dentro de si, é um dos projetos da humanidade.
Segundo suas conclusões, além dos sonhos propriamente ditos, mitos e contos de fadas têm um componente muito forte desse inconsciente. Assim, estudar esse tipo de produção levaria o leitor a um encontro com o inconsciente coletivo. Marie-Louise von Franz, estudiosa da mente, que seguia os conceitos de Jung e com ele colaborou, tem muitos livros sobre os contos de fada, sob esse ponto de vista (clique aqui). Vamos guardar todos esses dados para depois.
Desejo lançar, então, um olhar sobre as narrativas da Branca de Neve, A bela adormecida e A gata borralheira, como um todo, tenham elas que origem tiverem. Em todas elas, o elemento feminino apresenta-se fragilizado. Se no último, a jovem sofredora depende de um movimento de interesse do príncipe em pegar seu sapatinho - perdido apenas por um rasgo da sorte e não por estratégia da moça - e resgatá-la da pobreza e da injustiça, nos outros dois, adormecidas, o elemento feminino é, então, completamente reduzido a um retrato da passividade: nenhum movimento próprio em direção à sua redenção.
Deve-se, também, atentar para o fato de que nas três histórias, se o bem, por assim dizer, está nas três figuras masculinas, o mal parece ser uma característica do sexo oposto - a figura da Eva bíblica acusa as mulheres, a cada dia, disso.
Mas parece que quem reforça os comentários feitos nessa postagem em seu início e ecoa, entrelaçando poesia e psicologia, as conclusões de Jung, é o poeta português Fernando Pessoa (clique aqui e faça uma viagem pela obra dele). Deliciemo-nos com o maravilhoso poema, mas que parece perseguir com seu fecho o conceito de anima.

Eros e psique

Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sonho ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.


Fica, enfim, a indagação: tal qual o eu lírico do poema, Cinderela, a bela adormecida e a Branca de Neve, mais do que personagens de contos de fadas, serão, na verdade, o retrato de uma imagem de anima, apenas reflexo de uma psique masculina?

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