Neste segmento vou retomar o tema do espelho, agora, na literatura atual, e fazer alguns comentários sobre o uso do tema.
O primeiro poema postado pertence a uma poeta portuguesa, Lídia Bulcão, cujo blogue A ilha dentro de mim é um dos que curto. Aconselho a visitá-lo, clicando aqui. Nele, o leitor se depara com um eu que se olha ao espelho, fisicamente, e, como em Cecília Meireles (ver a seção anterior) vê ali uma das feições do tempo. E a palavra “feição” me parece bastante apropriada, em todos os seus sentidos. Percebe-se que o tempo se concretiza através de seus efeitos. Mais do que um rosto particular, o que ali se reflete é essa dimensão que, em última análise, submete os seres.
O primeiro poema postado pertence a uma poeta portuguesa, Lídia Bulcão, cujo blogue A ilha dentro de mim é um dos que curto. Aconselho a visitá-lo, clicando aqui. Nele, o leitor se depara com um eu que se olha ao espelho, fisicamente, e, como em Cecília Meireles (ver a seção anterior) vê ali uma das feições do tempo. E a palavra “feição” me parece bastante apropriada, em todos os seus sentidos. Percebe-se que o tempo se concretiza através de seus efeitos. Mais do que um rosto particular, o que ali se reflete é essa dimensão que, em última análise, submete os seres.
Em frente ao espelho
Lídia Bulcão
Sinto-me nua diante do espelho.
Vejo, mas não reconheço
a mulher que me olha com
espanto e estranheza.
Como se as rugas de expressão
pertencessem a outro rosto,
a outra vida, a outro sofrimento.
Reparo nos contornos do rosto
que sempre olhei com
a ligeireza das coisas fugazes.
Olho os vincos do tempo e percebo.
Décadas são apenas folhas caídas
do calendário colado na porta do frigorífico.
O segundo poema, já foi publicado neste blogue. Mas me pareceu bastante oportuno reconduzi-lo e comentar. Primeiro, o termo, que está sendo discutido é usado no plural. Isso cria um ambiente de inapreensão possível, o que, em poesia, é uma possibilidade fértil. Depois, a gente pode constatar que são objetos internos – “meus espelhos” – e que, ao contrário da característica primeira, eles é que são refletidos e “nas dores da alma”. A imagem poética tem seu grande efeito. Mas esse eu lírico segue derrubando a pré-imagem do espelho, quando acrescenta que “são todos quebrados”. Dessa forma, adiciona ao espelho o velho e místico sentimento do “espelho quebrado”, que carrega atrás de si todos os seus presságios. E consegue reforçar o tom plangente da voz que se analisa.
Espelhos
Viviane Arena Figueiredo
Segredos e imagens
Segregam formas,
Lembram momentos,
Refletem luz
Em estilhaços,
Em meus espelhos
Todos quebrados
E refletidos
Nas dores da alma ...
O último poema é de minha autoria e está postado, em outubro de 2009, em meu blogue Poema vivo. Gostaria de sua visita lá (clique aqui). Foi esse o poema que ensejou o comentário da Lídia: "É curioso como os espelhos despertam o fascínio das gentes, desde tempos imemoráveis."
O tratamento novo dado ao objeto é o de personalificá-lo e de se inverterem as ações: aqui é o eu que duplica o espelho, o qual se observa no rosto e se vê tomado do mesmo estranhamento daquele eu do poema da poeta de Portugal. E esse jogo de repetições vai se alternando, ora lá, ora cá. Mas ao final, o leitor sente que, de um lado ou de outro, o sofrimento da alma é o revelado.
O tratamento novo dado ao objeto é o de personalificá-lo e de se inverterem as ações: aqui é o eu que duplica o espelho, o qual se observa no rosto e se vê tomado do mesmo estranhamento daquele eu do poema da poeta de Portugal. E esse jogo de repetições vai se alternando, ora lá, ora cá. Mas ao final, o leitor sente que, de um lado ou de outro, o sofrimento da alma é o revelado.
Reflexos
Eliane F.C.Lima
Este espelho me olha assombrado
e desconhece seu rosto refletido:
não sabe de quem é o riso gelado,
não consegue ver bem o olhar sumido.
Espelho, espelho meu, que ora duplico,
espelho, espelho meu, eu lhe suplico,
não fuja , estupefato, do semblante
que é meu, posto que seu, por semelhante.
Encare a boca, aflita, também sua,
tal qual a dor perene e tão crua,
e a lágrima que a sua face molha.
Se hoje sou só eu que não sorrio,
se nesses dias sou a que não olha,
também há no espelho o que é sombrio.
4 comentários:
Minha querida
Poemas maravilhosos.
Sinto-me nua diante do espelho.
Vejo, mas não reconheço
a mulher que me olha com
espanto e estranheza.
Como se as rugas de expressão
pertencessem a outro rosto,
a outra vida, a outro sofrimento.
Adorei
Beijinhos
Eliane, vi-me um pouquinho em todos esses espelhos, inclusive nos caquinhos... rsrs
Os poemas são belíssimos, e sua análise sempre mais esclarecedora.
Agora, vou até lá, conhecer o blogue que você recomendou, da Lídia Bulcão.
Bjs e inté!
Eliane,
Desculpe ter demorado a reagir ao seu repto, mas tenho andado muito fugida na net. Mas gostei da sua análise e do paralelo com outros espelhos. É sempre muito bom perceber olham de fora para as linhas que escrevemos. Obrigado pela referência.
Um abraço de Portugal,
Lídia
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