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domingo, 13 de junho de 2010

As "vozes vespas" de Helena Ortiz

Eliane F.C.Lima

A escritora que é apresentada hoje se chama Helena Ortiz, nasceu no Rio Grande do Sul, embora esteja radicada pessoal e profissionalmente no Rio de Janeiro, onde é responsável pela Editora da Palavra e pelo jornal de literatura “Panorama da palavra”, que, tendo sido impresso de 1999 a 2005 e passado a ser apenas virtual (clique
aqui), a partir de 2009, voltou a ser impresso também.
Fez parte do livro Além do cânone, de Helena Parente Cunha, professora da UFRJ, cujos poemas também já foram postados neste blogue, entrelaçando-se, assim, a Helena baiana e a gaúcha.
A Ortiz, além de sua produção literária, tem um histórico em prol da literatura por promover encontros de poesias – o “Panorama da palavra” foi um dos principais –, nos quais apresenta novos talentos, como se pode conferir nas entrevistas dadas ao site “Palavrarte” (clique aqui ) e à “Revista Agulha” (clique aqui).


Obras da escritora:
Poesia: Pedaço de mim (Porto Alegre: T&T Editores, 1995); Margaridas (Rio de Janeiro: Blocos, 1997); Azul e sem sapatos (Rio de Janeiro: Blocos, 1997); Em par (Rio de Janeiro: Ed. da Palavra, 2001); Sol sobre o dilúvio (Rio de Janeiro: Ed. da Palavra, 2005).
Em prosa, publicou Contos de Oficina 5 (Porto Alegre: Ed. AGE, 1994); Mais ao sul do que eu pensava (Ed AGE, Porto Alegre, 1995); e o novíssimo O Silêncio das Xícaras (Rio de Janeiro: Ed. da Palavra, 2009), lançado em 08 de junho de 2010.
Vale a pena conferir seu blogue Integrada e marginal (entre por aqui), no qual se vê, entre outras coisas, que o poeta não é um nefelibata – que ou quem vive nas nuvens – como se dizia dos simbolistas, pois nele Helena posta muita informação e fortes convicções políticas.
Sua poesia segue a tendência atual do texto curto e, por isso mesmo, com uma densidade máxima. Sua grandeza não está na horizontalidade ou verticalidade, mas no volume, pois é um mergulho profundo na condição humana – aliás o título de um de seus magníficos poemas – e isso de uma maneira bastante sofrida.

Condição humana

Helena Ortiz

visto preto e meu marido
é vivo

sou seu lençol
mãe de seu filho ausente

lavo seus colarinhos
não dormimos juntos

juntos
só colocamos

sal nas feridas

Sutil Vingança

Helena Ortiz

estendo a cama e faço
a comida

entrego meu corpo e ainda
lavo a louça

mas
no varal
o lençol desfralda
a meio-pau

Passos

Helena Ortiz

nunca fui das casas
que também não foram minhas
me abrigo — eis tudo — passa-se o tempo
mas minha vontade
é pertencer aos telhados


Sub-rosa

Helena Ortiz

vêm das abelhas às vezes
essas vozes vespas
esses zumbidos vorazes

vem na poeira o tom
sussurrado que precede
o pulsar de um continente

é tênue o farfalhar
sub-rosa
primeiro de viés

depois pelas veias
pelas vértebras
rebentando os vasos

logo o coração transido
pula e chicoteia
incessante bater de panelas
um ferrão subjuga a aurora


Fome para todos

Helena Ortiz

o homem chega ao trabalho
cumprimenta os colegas
alguns não respondem

lá dentro as cortinas o papel as máquinas
o pretenso comprador e sua pose

na hora do almoço todos vão ao restaurante
ele vai ao cais onde sopra a brisa

abre um livro e por momentos
é um homem sem paredes

retorna ao trabalho
cumprimenta os colegas
alguns não respondem
não importa

está saciado de uma outra fome

Tarde

Helena Ortiz

o sol de inverno atravessou o dia
como em outros lugares
serenos céus de outras cidades
onde estive sentada em silêncio
me aquecendo
tantos anos
e ainda estou fria

Esperando a hora

Helena Ortiz

não ouço mais teus gritos
não corro mais atrás de ti
não te abraço
não gozo teu riso
não me espanto


trago em mim esse grito
que não rompe
esse tédio de sala de espera
quieta
onde minha ficha é a última
e talvez não haja tempo para hoje

Diagnóstico

Helena Ortiz

é fácil reparar que já partimos
jogamos as cartas
às feras

foi-se ao mar o desejo
e com o vento
fecharam-se as janelas

não queremos recordar
não é mais hora
já batem à porta
à nossa espera

não teremos mais uma palavra amável
um suspiro sutil
um verso varando o dia

seguiremos avaros:
duros
armados
de colete

Dada a fecundidade da obra de Helena Ortiz ainda pretendo voltar a outras poesias suas em futura postagem.

2 comentários:

Sonia Schmorantz disse...

Excelentes estes poemas, não a conhecia, vou procurar ler mais.
beijos, uma ótima semana

ju rigoni disse...

Que poeta, hein Eliane!...

Leio, releio, e não consigo parar...
Poemas perturbadores, surpreendentes, profundos, - extremamente belos...

Bjs, amiga. E inté!