Pesquisar este blog

sábado, 20 de novembro de 2010

Júlia Cortines Laxe: poeta e mulher - Literatura de ontem 16

Eliane F.C.Lima

Nascida em Rio Bonito, fluminense, portanto, como Narcisa Amália (para ver a postagem sobre ela clique aqui),
JÚLIA CORTINES LAXE (1868-1948) não teve o mesmo reconhecimento posterior da outra, que ainda logrou ter seu nome citado em, pelo menos, duas antologias – em outras antologias há listas enormes de escritores do sexo masculino. Essa invisibilidade acontecia, seguramente, pelo preconceito de então, visto que o crítico literário, José Veríssimo, após a publicação de seu segundo livro, em 1905, tenha declarado que "Os poemas de Júlia Cortines distanciam-se magnificamente da poesia de água-de-cheiro e de pó-de-arroz da musa feminina brasileira, e revelam em Júlia, mais que uma mulher que sabe sentir, alguém que sente com alma e coração e de forma que disputa primazias com nossos melhores poetas contemporâneos." (o texto do crítico está em O Site de Rio Bonito, de onde também foi copiada a foto – ver aqui). A crítica literária da época, na mão e na voz dos representantes de uma cultura patriarcal, caracterizam o produto poético feminino brasileiro, como se vê, pela confusão com sua autoria, minimizando tanto um quanto outra e, comparando-os sempre, com o elemento masculino. O erro principal de Veríssimo – nisso não foge muito da crítica atual, como se vê em minha postagem “O novo tom das narrativas de mulheres” (clique aqui) – é colocar toda a produção de mulheres em um saco só, como se todas fossem uma. Sua poesia é carregada e vibrante, como se pode ver no poema “Fracos”.
Poeta parnasiana, como Francisca Júlia, Júlia Laxe também colaborou em revistas como A semana e A Mensageira, da paulista Presciliana Duarte de Almeida, lançada em 19 de outubro de 1897, que se tornou um dos principais espaços da mulher escritora do final de século XIX/início de XX e onde também escreveram a citada Narcisa Amália, Anália Franco, Júlia Lopes de Almeida, Francisca Júlia (link para minha postagem), Auta de Souza (confira a postagem), nomes igualmente de peso na época. (Informação in Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922)) de Ana Luiza Martins – Fapesp – Edusp – pág. 374-375)


Obras

Versos (1894) e Vibrações (1905), a respeito do qual, José Veríssimo fez os elogios.

Interrogação

Júlia Cortines

Contemplo a noite: a cúpula estrelada
do firmamento sobre mim palpita;
meu olhar, que a interroga, embalde fita
o olhar dos astros, que não veem nada:

“Nessa amplitude lôbrega e infinita
que inteligência ou força inominada
numa elipse traçou a vossa estrada,
estrelas de ouro, que o mistério habita?

Dizei-me se, transpondo a imensidade,
alguma cousa a vós minha alma prende,
um vínculo de amor ou de verdade.

Dizei-me, o fim da nossa vida agora:
para que serve a luz que em vós resplende,
e a oculta mágoa que em meu seio mora?...”


O lago

Júlia Cortines

Um pouco d'água só e, ao fundo, areia ou lama,
Um pouco d'água em que, no entanto, se retrata
O pássaro que o voo aos ares arrebata,
E o rubro e infindo céu do crepúsculo em chama.

Água que se transmuda em reluzente prata
Quando do bosque em flor, que as brisas embalsama,
A lua, como uma áurea e finíssima trama,
Pelos ombros da noite a sua luz desata.

Poeta, como esse lago adormecido e mudo
Onde não há, sequer, um frêmito de vida,
Onde tudo é ilusório, e passageiro é tudo,

Existem, sobre um fundo, ou de lama ou de areia,
Almas em que tu vês, apenas, refletida
A tua alma, onde o sonho astros de ouro semeia!


Última página

Júlia Cortines

Antes de mergulhar no silêncio da morte,
Ou da idade sentir a fraqueza e o torpor,
Eu quisera lançar, num supremo transporte,
Meu grito de revolta e meu grito de horror.

Mas sei que por mais forre e por mais estridente
Que ela corra através do infinito, até vós,
Ó céus, que além brilhais numa paz inclemente,
Nem qual brando rumor chegará minha voz!

Mas sei que não há dor que a natureza vença,
E que nunca a fará de leve estremecer
Na sua eternidade e sua indiferença
O lamento que vem dum transitório ser.

Mas sei que sobre a face execrável da terra,
Onde cada alma sente, em torno, a solidão,
Esse grito, que a dor duma existência encerra,
Não irá ressoar em nenhum coração.

Contudo, num clamor de suprema energia,
Eu quisera lançar minha voz! Mas a quem
Enviar esse brado imenso de agonia,
Se para o compreender não existe ninguém?!



Fracos

Júlia Cortines

Fracos, odeio a inércia e detesto a fraqueza.
Prefiro a mão que esmaga ou que vibra o punhal
À doce e inconsciente e nefasta moleza,
Que é para a alma do forte um veneno mortal.

Como de encontro à costa, em ondas remansadas
Chora o mar, ou se atira em bravos vagalhões,
Assim de encontro a vós, almas adormentadas,
Fremem de ódio e de amor os nossos corações.

Almas fracas, fugindo à aspereza das lides,
Sem um esforço para às correntes opor,
Pelo rio do tempo arrebatadas ides,
Desta ou daquela vaga a boiar ao sabor.

Que vos importa a vós a agonia da luta,
A ânsia de possuir, o infinito aspirar?
Que vos importa a vós a decepção que enluta,
Se não sabeis querer, nem sabeis adorar?!


Estou também em Conto-gotas (link), Poema Vivo (link), Debates Culturais, onde passo, agora a publicar alguns artigos, bastando um clique, na lista "Colunistas", à direita, em Eliane Lima (link) e Recanto das Letras (aqui).

Um comentário:

Marise Ribeiro disse...

Eliane, parabéns por nos trazer mais uma poetisa escondida nos porões de uma sociedade machista.
Beijos,
Marise