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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Amélia de Oliveira: a publicação de uma poesia privada

Vamos conviver aqui com Amélia de Oliveira, poetisa. Como infelizmente, na epoca, século XIX, escritoras tinham sempre sua identidade estabelecida pelo elemento masculino - hoje muita gente boa já pesquisa sobre elas -, a escritora, como tantas outras, passou para a história literária como a irmã do poeta Alberto de Oliveira ou a noiva frustrada de Olavo Bilac, costume ainda hoje presente até na Internet, onde é citada, quase exclusivamente, nos sites sobre ambos. Recomendo para pesquisa: 1. Antônio Miranda, site Poesias dos Brasis, (clique aqui) onde aparecem inúmeras escritoras. 2. A resenha de Lília Moritz Schwarcz para o livro Escritoras esquecidas pela república (clique aqui). 3. O Dicionário crítico de escritoras brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, pelo menos na versão online (clique aqui). Sobre várias outras escritoras igualmente anuladas indico o trabalho de equipe de um grupo de pesquisadoras que resultou no livro Escritoras brasileiras do século XIX, organização de Zahidé Lupinacci Muzart, editora Mulheres.
O reforço explicativo dessa invisibilidade fica clara no trecho de uma das cartas de Bilac para a então noiva, abaixo transcrito.

Carta

Olavo Bilac

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Já te disse que há mais de dois meses tinha eu vontade de te escrever em liberdade, para coisa urgente. Trata-se disto: Não me agradou ver um soneto teu no Almanaque da "Gazeta de Notícias" deste ano. Não foi o fato de vir em um almanaque o soneto que me desagradou: desagradou-me a sua publicação. Previ logo que andava naquilo o dedo do Bernardo ou do Alberto. Tu, criteriosa, como és, não o farias por tua própria vontade. Folguei muito, depois, vendo a minha previsão confirmada por D.Adelaide. Devo confessar que fui o primeiro a insistir contigo para que publicasses versos. Cheguei mesmo a dar alguns aqui, no "Mercantil". Fiz mal. Arrependi-me. Hás de concordar comigo. Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: - O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser conhecida. - Não é uma grande verdade? Reflete sobre isto: Há em Portugal e Brasil cem ou mais mulheres que escrevem. Não há nenhuma delas de quem não se fale mal, com ou sem razão. Além disso, quem publica alguma coisa fica sujeito a discussão, cai no domínio da crítica. E imagina que mágoa a minha , que desespero meu, se algum dia um miserável qualquer ousasse discutir o teu nome! Eu, que chego a ter ciúme do chão que pisas, eu que desejava ser a única pessoa que te pudesse ver e amar, - ouvir discutido o teu nome. Ainda há bem pouco tempo, em São Paulo, um padre, escrevendo sobre Júlia Lopes, insultou-a publicamente. Eu nada tinha com isso. Mas tratava-se de uma senhora e mulher de um amigo meu: tive vontade de esmurrar o padre. E sem razão. Sem razão, porque uma senhora, desde que se faz escritora, tem de se sujeitar ao juízo de todos. Não quer isto dizer que não faças versos, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e principalmente para mim, - mas nunca para o público, porque o público envenena e mancha tudo o que lhe cai sob os olhos.
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Teu noivo,
Olavo Bilac
(cerca de 1888).

Inacreditável para o mundo de hoje. Aí está a explicação para que um sem número de mulheres que deram seus textos a público tenham desaparecido do cenário. se você ficou revoltada (o) como eu, vingue-se agora e leia o belíssimo poema de Amélia.

SONETO

Amélia de Oliveira

Não te peço a ventura desejada,
Nem os sonhos que outrora tu me deste,
Nem a santa alegria que puseste
Nessa doce esperança, já passada.

O futuro de amor que prometeste
Não te peço! Minha alma angustiada
Já te não pede, do impossível, nada,
Já te não lembra aquilo que esqueceste!

Nesta mágoa sorvida, ocultamente,
Nesta saudade atroz que me deixaste,
Neste pranto, que choro ainda por ti,

Nada te peço! Nada! Tão-somente
Peço-te agora a paz que me roubaste,
Peço-te agora a vida que perdi!

(ELTON, Elmo. Amélia de Oliveira - 1868-1945. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1977)

Se você ficou revoltada(o), como eu, vingue-se, lendo meu poema Uma história medieval, em meu blog Poema vivo (clique aqui), o qual dedico à Amélia de Oliveira e a todas as outras amélias, o que, como se vê pela canção popular, não parece ser um nome, mas um destino.



2 comentários:

ju rigoni disse...

"Há uma frase de Ramalho Ortigão, que é uma das maiores verdades que tenho lido: - O primeiro dever de uma mulher honesta é não ser
conhecida."

"Não quer isto dizer que não faças
versos, muitos, para os teus irmãos, para as tuas amigas, e
principalmente para mim,..."

E o hino à nossa BANDEIRA teve a letra escrita por ele!!! Membro fundador da Academia Brasileira de Letras!!! Estava certa a tal revista que o elegeu "príncipe" dos poetas, - esse cara é uma historinha!

Sempre esteve morto e não sabia...

Bjs, Eliane, e inté!

Paula: pesponteando disse...

Esta carta explica de forma clara, pq na historiografia literaria brasileiras não há mulheres abrilhantando as nossas letras: foram silenciadas.

Abraços Eliane