Uma das possibilidades das obras de arte é o diálogo entre elas. Isso acontece na pintura e, é claro, com mais propriedade, na literatura. Vamos ler os dois textos a seguir, um deles de Castro Alves. Meu avô, que era baiano como o poeta, sempre foi tido como parente dele. Mas nosso sobrenome não parecia mostrar nosso parentesco com ele. Um dia descobri o nome completo de meu bisavô: Domingos Alves de Cerqueira Lima. Estava confirmada a história.Ao terminar o primário, ainda menina, recitei, treinada por minha professora, dez estrofes do "Navio Negreiro". O que seria difícil para outra criança foi uma festa para mim. Levou-me à literatura.
Texto I: O adeus de Teresa
Castro Alves
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
“Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala...
E ela, corando, murmurou-me: “adeus”.
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saiu um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”
Passaram tempos... séc’los de delírio...
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – “Voltarei!... descansa!...”
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”
Quando voltei... era o palácio em festa!...
E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”
Texto II: Teresa
Manuel Bandeira
A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna
Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Quando se lê o poema anterior do poeta romântico Castro Alves (saiba mais sobre ele, clicando aqui) e, depois, o do poeta modernista Manuel Bandeira (clique aqui), fica evidente a releitura do primeiro feita pelo segundo. Releitura, sim: a substituição do "fitei" pelo "vi", no primeiro verso, já indica a opção pela linguagem popular, marcante do protocolo poético do Modernismo.O aprofundamento da observação revela, também, nas duas primeiras estrofes do texto II, a anulação da idealização romântica da figura da mulher, clara no texto I. Mas o amor consegue anular a visão crítica que o eu lírico mantinha no princípio e instaura a idealização romântica no poema de Bandeira.E Teresa acaba sendo uma presença nos poemas do autor. E a medida de sua importância amorosa se dá quando é alçada ao símbolo lírico da vida do sujeito poético, o bichinho de estimação da infância. Embora de imagem inusitada, a presença de um símbolo de tal natureza acaba ligando profundamente o Romantismo de Castro Alves e o Modernismo de Bandeira.
Texto III - Porquinho-da-Índia
Manuel Bandeira
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
Texto IV: Madrigal tão engraçadinho
Manuel Bandeira
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na minha vida,
Inclusivé o porquinho-da-Índia que
Me deram quando eu tinha seis anos.
2 comentários:
Olá! Estou retribuindo a visita...
Parabéns pelo blog... precisamos mais disso! E eu, de um porquinho da Índia. hahaha
Beijos!
Há 15 dias minha filha levou embora o meu porquinho da índia: um labrador lindo. Até hpoje cjhoro a sua ausência.
Lindo espaço, voltarei sempre que puder.
Beijo grande.
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